segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Sacralidades Médicas

Oração do Médico
Senhor, tu és o grande médico, ajoelho-me diante de ti.
Já que tudo quanto é bom vem de ti, eu te peço:
Habilidade para minhas mãos.
Lucidez para meu espírito.
Bondade e compreenção para o meu coração.
Afasta do meu coração a cobiça e a mesquinhez.
Dá-me correção nas atitudes.
Força para aliviar ao menos uma parte da carga de sofrimento dos meus semelhantes.
Dá-me a graça de compreender o privilégio divino que tu me concedes.
Dá-me a graça de confiar em ti com a fé simples de uma criança.
Amém...

Juramento de Hipócrates
Juro por Apolo médico, Asclépio, Hígia, Panacéia e todos os deuses e deusas, fazendo-os testemunhas de que conforme minha capacidade e discernimento cumprirei este juramento e compromisso escrito:
"Considerar aquele que me ensinou esta arte igual a meus pais, compartilhar com ele meus recursos e se necessário prover o que lhe faltar; considerar seus filhos meus irmãos, e aos quais ensinarei esta arte, se desejarem aprendê-la, sem remuneração ou compromisso escrito;
Compartilhar os preceitos, ensinamentos e todas as demais instruções com os meus filhos, os filhos daquele que me ensinou, os discípulos que assumiram compromisso por escrito e prestaram juramento conforme a lei médica, e com ninguém mais;
Utilizarei a dieta para benefício dos que sofrem, conforme minha capacidade e discernimento, e além disso evitarei o mal e a injustiça;Não darei a quem pedir nenhuma droga mortal e nem darei esse tipo de instrução; do mesmo modo, não darei a mulher alguma pessário para abortar;Com pureza e santidade conservarei minha vida e minha arte;
Não operarei ninguém que tenha a doença da pedra, e cederei o lugar aos homens que fazem isso;
Em quantas casas eu entrar, entrarei para benefício dos que sofrem, evitando toda injustiça voluntária ou outra forma de corrupção, e também atos libidinosos no corpo de mulheres e homens, livres ou escravos;
O que vir e ouvir durante o tratamento sobre a vida dos homens, sem relação com o tratamento e que não for necessário divulgar, calarei, considerando tais coisas segredo."
Se cumprir e não violar este juramento, que eu possa desfrutar minha vida e minha arte afamado junto a todos os homens, para sempre; mas se eu o transgredir e não cumprir, o contrário dessas coisas aconteça.

Ao Cadáver Desconhecido
Ao curvar-te com a lâmina rija do teu bisturi sobre o corpo do cadáver desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas.
Cresceu embalado pela fé e esperança daquela que em seu seio o embalou. Sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens.
Por certo amou e foi amado, sentiu e esperou um amanhã feliz.
Agora jaz na fria mesa, sem que por ele houvessem derramado uma só lágrima, sem que tivesse uma só prece.
Seu nome só Deus o sabe, mas o destino inexorável, deu-lhe o poder e a grandeza de servir a humanidade que por ele passou indiferente.

Oração ao Cadáver
Diante do teu corpo frio irmão cadáver, eu te suplico: nos perdoe.
Perdoa se te descobrimos e te retalhamos. Não é por desrespeito que te descobrimos, nem por ódio que te retalhamos. Teu corpo nú é para nós símbolo da pureza de nosso ideal, do respeito ao ser humano.
Cada vez que te cortamos é por amor à humanidade enferma, que depende do teu corpo nos ensinar para que possamos diminuir a sua dor, levar-lhe ao menos uma esperança de saúde.
Perdoa meu irmão. Perdoa se os sonhos que tivestes de ser alguém um dia, não se realizaram. Se ao invés de um túmulo com teu nome gravado, coberto de flores, vieste parar aqui, nessa mesa fria, anônimo, sem flores, sem saudades. Perdoa a sociedade em que viveste, se ela não te proporcionou a oportunidade a que tinhas direito.
As glórias que teu trabalho não te deu em vida, tú as tem agora. de ti nós dependemos para ser alguém. Tu que talvez mal soubeste ler vai nos ensinar anatomia. Tú que em vida não era valorizado, és um tesouro.
Compreende o teu papel, vê o pedestal em que colocamos, presta atenção na brancura de nossos aventais, no temor emocionado de nossas mãos inexperientes, no olhar de piedade e de amor com que te olhamos. Vê esta pçatéia jovem, ávida de saber para poder servir à humanidade, contando contigo para a ajudar.
E tú, tú és mais generoso do que o milhonário que dá migalhas de seu banquete para matar a fome de crianças pobres. Tù que nem nome tens, vens dar teu corpo em holocausto à ciência, vens dar a sagrada esmola de teu próprio corpo para que retalhado qual relíquia de um santo, possa fazer o milagre de curar.


quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Luto roubado

Resumo
Além da função de agente promotor da saúde pública no campo biológico, o cemitério possui conotações simbólicas que lhe conferem a capacidade de promover saúde psíquica, pois, por meio dos ritos e da estrutura física do local o sujeito que perdeu um ente, simboliza sua perda, realizando um processo normal de luto. O que impossibilita a instalação de algumas psicopatologias decorrentes de um luto não cumprido devidamente.
A mudança da estrutura física do cemitério para o modelo de parque altera o luto normal, pois ao negar a dor da perda por meio da supressão de elementos simbólicos, o sujeito sente culpado por sentir tal dor, e, reprimindo-a aumenta sua propensão para inúmeras psicopatologias.
Palavras-chave: cemitério, luto, parque.
Abstract
Besides being a promoter of public health within the biological field, the cemetery has symbolic connotations which give it the capacity of developing psychic health. Through the rites and physical structure of the place, the person who lost a loved one symbolizes this loss and undergoes a normal process of mourning.
This prevents the development of diseases which have their roots in a time of morning not fully experienced.
The charge in the physical structure of the cemetery to the now accepted model of park, alters the normal mourning period and denies pain by suppressing symbolic elements. The person feels guilty to feel pain and by repressing it becomes subjected to several psychological problems.
Key-words: cemetary, mourning, park.

Introdução
Ao avalia-se a estrutura física do cemitério é significativo questionar: “Qual o objetivo de se colocar um corpo debaixo da terra?”.
A pergunta pode ser rapidamente respondida pela área da saúde pública, afinal, debaixo da terra o corpo tem seu processo de decomposição longe de insetos, o que reduz o mau cheiro, as bactérias no ambiente, o risco de epidemias. É uma medida higiênica e salubre.
Mas observando-se a estrutura do cemitério, torna-se perceptível a existência de rituais e consternação, o que gera um questionamento ainda mais complexo: “Qual o objetivo de se reunir pessoas somente para colocar um cadáver na terra?”.
A dúvida se aguça ainda mais quando ao estudar diferentes culturas constata-se que mesmo que tais formas não sejam universais e consonantes no que tange a valores, elas existem em todos os tipos de povos. Afinal, independente da causa do óbito ou da localidade, o morto deixa amigos, familiares, uma tradição na qual vivia imerso, portanto, faz-se necessário lidar com essa morte de alguma forma. Assim, quase todas as culturas criam seus padrões de reação imediata à morte, e essa reação se relaciona ao cemitério e ao ritual fúnebre.
Segundo Marshall e Levy: “Os rituais proporcionam... meios através dos quais as sociedades buscam controlar o elemento destroçador da morte, tornando-o significativo... O enterro como um instrumento formal para se realizar o trabalho de finalização de uma biografia, de controle da consternação e da construção de novas relações sociais após a morte”. (pg 246; 253).
Independente da variação cultural de se vestir preto ou branco, os funerais auxiliam aos que ficam a desempenhar seu pape social, uma vez que agora faltará um membro nas relações, estabelecendo novas linhas de influência e autoridade, fortalecendo laços familiares, contando a história da vida do sujeito e descrevendo o valor dessa vida, auxiliando assim na aceitação dessa morte, bem como da nova dinâmica familiar a ser instituída.
Os rituais ainda se fazem necessários no que toca aspectos filosóficos e religiosos, pois ajudam a responder dúvidas dolorosas como: “Por que agora?”, “Por que dessa forma?”. Oferecendo uma acolhida entre os familiares e amigos, propiciando assim algum conforto nos dias imediatamente após a morte.
Luto normal
“O sentido mais difundido da morte, para a maioria dos adultos, é o de perda. (...) Além disso, está é a percepção de que a morte significa perda de relações, perda do gosto e do cheiro, perda do prazer”. – Helen Bee
O processo de luto normal envolve a vivência da sensação de perda, de sofrimento, de saudade. Que só vivido e simbolizado de forma adequada pode ser superado, permitindo o novo estabelecimento da dinâmica social que fica abalada pela ausência de um membro.
Sendo assim, o processo de luto normal possui os estágios descritos na tabela, segundo o obtido ao considerar os estudos de Bowlby e Sanders:
Estágio: Bowlby’s / Sander’s ---> Descrição geral
1: entorpecimento / choque ---> Características dos primeiros dias, ocasionalmente mais longos; descrença, pertubação, inquietação, sensação de irrealidade, sensação de impotência.
2: Compaixão / Percepção da perda ---> O enlutado tenta recuperar a pessoa perdida; pode buscar ativamente ou perambular como que buscando; pode relatar que vê a pessoa morta. Também cheio de ansiedade e culpa, medo e frustração. Pode dormir mal e chorar com freqüência.
3: Desorganização e desespero / Conservação e retraimento ---> Período da depressão e do desespero; cessa a busca e a perda é aceita, mas a aceitação da perda traz depressão ou uma sensação de impotência. Costuma ser acompanhada de muito cansaço e de um desejo de dormir o tempo todo.
4: Reorganização / Cicatrização e renovação ---> Estágio em que o indivíduo assume o controle outra vez. Há certo esquecimento, uma sensação de esperança, aumento de energia, saúde melhor, melhor padrão de sono, diminuição da depressão.
“No ano após o luto, a incidência de depressão eleva-se substancialmente, ao passo que as taxas de morte e doença também aumentam um pouco entre os viúvos.” – Stroebe e Stroebe
Mesmo com o cumprimento do luto normal, as taxas de depressão elevam-se em decorrência da culpa que o indivíduo sente por ser impotente perante a morte, porém tal depressão não é patológica, pois tende a ceder num intervalo de tempo de aproximadamente seis meses.
Luto e romantismo
O luto que não se cumpre, se aproxima do ideal proposto pelo estilo literário romântico, como exemplificado por Álvares de Azevedo:
“Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente."
A segunda geração do romantismo no Brasil propõe um luto sem sofrimento, ora um luto sem sofrimento não é um enlutamento, e quando o processo não é vivido de forma integral, o luto não se cumpre e há uma tendência do indivíduo a repetir cotidianamente a dor da perda, ficando preso ao sentimento de dor pela impotência e saudade. Ficando impossibilitado a partir daí, a retomar sua nova rotina e dar continuidade a sua existência.
Parece óbvio que os românticos se apegam a tal tipo de dor, pois priorizando o amor eterno, consideram que a continuidade do sofrimento pela falta da pessoa amada é a intensidade do próprio amor. Ora, tal processo tende a desencadear inúmeros casos patológicos por impossibilitar e atrapalhar a relação: indivíduo/sociedade.
A busca pela felicidade
Diferente da segunda geração romântica, a sociedade atual prima pela felicidade, mas a busca pela felicidade e fuga da dor chegou a um ponto tão exacerbado, que o método de fugir do sofrimento se aproximou ao método de busca pelo sofrimento como forma de amor dos românticos.
Quando o romântico pede para não derramar a lágrima, sugere implicitamente que o vivente as guarde na alma.
Em contrapartida, a sociedade que elegeu a Fluoxetina como pílula da felicidade, também pede ao sujeito que não derrame lágrima, pois pessoas felizes não choram, e chorar assume uma conotação de infelicidade para muitos, de desequilíbrio emocional, o que por si só culmina em exclusão social.
Fica, pois, evidente em ambos os casos há repressão da dor, mas como sentir sofrimento para superar sofrimento é algo da dinâmica existencial humana, a demonstração de uma pseudofelicicade, acaba por culminar em mais dor.
A dor reprimida que vai sendo atualizada em toda e qualquer sensação que remete a perda de algo, agravando significativamente os quadros psicopatológicos de uma forma geral.
A negação da dor e da tristeza tem se manifestado no modelo estrutural do cemitério. O que á perceptível ao comparar dois modelos de cemitério: o clássico e o parque (tendência atual).
Cemitério clássico
“É uma honra para o gênero humano que tal homem tenha existido." - Epitáfio de Newton.
O cemitério clássico ocidental pode ser definido como aquele em que há expressões artísticas nas tumbas, pertencente a um cenário que remete a dor da perda e as suas diversas formas de expressão, tais como flores e velas adornando aos túmulos; Presença de uma capela rebuscada como local de conforto espiritual tanto para o vivente como para o passante; Portões diferenciados que demonstram o ar de sacralidade do local. E a simbolização da dor pela partida do ente querido, fazendo uma analogia entre a importância da existência do indivíduo e os aspectos de seu sepultamento.
Há ainda a localização do cemitério que era feita de forma a afastá-lo da cidade por medidas de salubridade pública, mas também para afastar a idéia de morte e perda da rotina social.
Cemitério parque
“E nem desfolhem na matéria impuraA flor do vale que adormece ao vento:Não quero que uma nota de alegriaSe cale por meu triste passamento.”
Álvares de Azevedo
Tal modelo é uma tendência atual que objetiva reduzir a dor e o aspecto fúnebre dos ritos de sepultamento, caracteriza-se por sua semelhança com o parque, o que ajuda a denominá-lo, pois tendem a se chamar “parque ...” complementado com uma palavra que remeta a idéia de cemitério, para que não sejam confundidos com os parques de recreação.
Seus túmulos se encontram no chão, de forma que o longo gramado verde é predominante o que faz com este se assemelhe ao parque. Sua localização não tende a ser afastada tal qual a do cemitério clássico, pois este foge aos aspectos de tristeza, e se, não remete a morte, não necessita de reservas no que se refere a sua visualização.
Parque e o luto
Perdendo o arquétipo de um cemitério clássico, o cemitério parque altera o processo de luto normal, pois ao mascarar a perda de forma a evitar a dor, evita também à simbolização necessária a uma psique saudável que é possível por meio da representação artística presente em um cemitério clássico.
A presença do cemitério como um lugar de expressão humana, uma expressão que tem sido tolhida pelos cemitérios parque, é observada por meio da comparação dos aspectos estruturais.
A Entrada
O cemitério clássico possui uma entrada permeada por entalhes simbólicos em seus portões, acompanhados de placas sobre o cemitério, identificando o lugar prontamente, de forma a remeter a aspectos que dão à entonação de solo sagrado. Raramente se encontram pessoas conversando em suas proximidades, ou mesmo crianças, e o ambiente impõe respeito, pois remete em sua arquitetura a efemeridade a que a condição humana está sujeita, mesmo que sua arquitetura seja simples.
Em contrapartida, a entrada do cemitério parque possui crianças brincando e pessoas sentadas em seus degraus, conversando, sem possuir uma atitude reflexiva sobre o local em que se encontram e muito menos sobre a condição da existência humana diante da eternidade. Os bancos encontrados se assemelham aos de praça e as flores dão um ar de local de recreação. Sem uma imposição de respeito ou mesmo temor.
Cemitério Tipo Parque
Cemitério Clássico

Capela
“Eu deixo a vida como deixa o tédioDo deserto, o poento caminheiro,... Como as horas de um longo pesadeloQue se desfaz ao dobre de um sineiro;” - Álvares de Azevedo
Alguns cemitérios clássicos, não possuem capelas, pois os ritos religiosos se davam com o corpo presente na igreja ou em outro templo sagrado, o local do culto.
Nos cemitérios clássicos com capela, a mesma possui, geralmente, uma série de imagens ou mesmo pinturas e representações artísticas que permitem não só a expressão da fé, mas inclusive a reflexão teológica e de valores.
Já nos cemitérios parque as capelas são em geral inter-religiosas, contando de bancos e de um promontório onde o religioso celebra o culto de acordo com a fé assumida pela família e pelo morto.
Ora, na avaliação o trabalho não se propõe aos aspectos estéticos da capela, e sim aos aspectos de evocação da reflexão, afinal, a reflexão sobre a condição humana e sua passagem é que são importantes para que o luto se cumpra.
A capela do tipo parque possui menor número de aspectos que evocam a reflexão. Mas um outro fator determinante para tal é a profundidade do culto realizado, o que devido a sua variabilidade infinita, é de difícil análise.
Cabe ainda ressaltar que ambas as capelas possuem bela decoração independente da quantidade de adornos ou de objetos. Mesmo porque, os cemitérios parque são belos por se aproximarem inclusive mais da idéia de parque do que a de cemitério.
O que é avaliado, portanto, é a capacidade da arquitetura auxiliar na efetivação do processo normal de luto.
Velório
“Só levo uma saudade... é dessas sombrasQue eu sentia velar nas noites minhas...De ti, ó minha mãe, pobre coitada,Que por minha tristeza te definhas!” - Álvares de Azevedo
O velório sofreu uma mudança no decorrer da história. Houve um tempo em que as pessoas eram veladas, cuidadas em seu sono, depois com a significação do sono eterno, os familiares se reuniam em torno do corpo para orar pela alma e despedir-se, o que ocorria em casa mesmo. E ainda existem lugares onde tal procedimento permanece. Posteriormente, criaram-se os lugares chamados de “Velórios”, para que a família fosse lá, facilitando o acesso de mais pessoas à despedida, sem causar transtornos, ou bagunçar as residências.
Os cemitérios clássicos, raramente possuem velórios, e quando possuem, são poucas e pequenas as salas para tal.
Os cemitérios tipo parque, possuem em média quatro salas, o que denota seu alto índice de movimento e seu caráter mais empresarial e lucrativo.
Quanto maior for o número de salas, e maiores as proporções das mesmas, mais impessoal se torna o rito e sua significância é reduzida. O acolhimento do familiar que fica tende a ser mais por uma polidez diante de obrigação social do que uma visitação de pessoas realmente próximas que compartilham da mesma dor.
O que é enfatizado pelo surgimento de velório virtual, onde o velório é filmado e transmitido via internet, de forma que qualquer parente em qualquer lugar do mundo possa dar seu último adeus.
Mesmo entendendo e considerando as vantagens que consistem no fato de permitir um adeus a aquele que devido a questões geográficas não poderão se despedir, há de se ressaltar que os velórios virtuais, ou mesmo os demais do cemitério parque assumem uma amplitude tal que perde em aspectos humanos e de conforto psicológico destinado aos familiares mais próximos. Pois, tudo ocorre de forma tão normatizada e tão distante, que não possibilita a dinâmica familiar do processo de luto e de uma reaproximação de parentes distantes dos quais sequer tinha-se notícia como uma forma de conforto, de um socorro familiar que se desloca.
Flores e velas
O cemitério clássico possui, quando bem cuidado, flores e velas em quase todos os túmulos, permitindo que exista singularidade na expressão de dor diante da perda; pois, as famílias escolhem velas das cores preferidas do defunto, e também suas flores preferidas. E aos demais que comparecem ao local, fica óbvio o cuidado que os familiares despendem para com o túmulo que passa a ser a representação do ser completo, do ser morto e da atenção que a família despende aquele lugar.
No cemitério parque, não se pode colocar flores ou mesmo velas junto às lápides, pois estes possuem velários. E tal proibição é indicada por placas, o que dá um caráter impessoal ao cemitério, pois a vela no velário não é uma representação bela de uma luz deixada em memória do familiar e sim uma obrigação mais próxima de normatização, uma vez que o velário possui uma estrutura para o tipo de vela mais comum, e as ceras ali encontradas são em sua maioria apenas da cor branca. E as flores são colocadas distante do túmulo de forma que não se perceba que os túmulos são túmulos e sim campos de um parque.
A família com essa demonstração distante de afeto tem sua dor normatizada e não simbolizada.
É claro que existe uma necessidade de se enquadrar o procedimento de despedida, mas para isso já existem os cemitérios que são o lugar onde essa despedida ocorre, porém tal despedida deve ser atribuída de uma significância única e sentimental dada de forma singular e harmônica com o grupo para assim expressar o sentimento de tais indivíduos. Somente dessa forma o luto toma seu rumo natural.
Paisagem
A paisagem dos velórios clássicos em geral é uma vista da cidade, uma vez que, ele se posiciona nos limites da mesma e em lugares de elevada altitude; Com um cruzeiro em frente. É como sentir que a morrer coloca o ser fora desse mundo, fora da cidade, é uma conscientização de que o morto não pertence mais do mesmo modo a tal sociedade, e que a dinâmica social e familiar deve ser alterada, com as funções do morto sendo distribuídas por entre amigos e parentes.
Mesmo um sendo um processo doloroso, se faz necessário pra não prejudicar de forma incorrigível as relações estabelecidas por aqueles que vivem e que permanecem.
A localização dos cemitérios tipo parque é mais variável, sendo construídos em loteamentos já dentro do perímetro urbano, o que os distinguem dos clássicos, que tem a cidade crescendo até imbutí-los.
Não é necessário que parques sejam colocados fora dos perímetros urbanos a dor abrandada por sua estruturação pode ser abrigada pela cidade. Uma vez que não remete a túmulos, não expressa tanto sofrimento, tamanha efemeridade.
O grande problema consiste no fato de que quando a humanidade tenta negar uma condição humana, esta mesma humanidade tende a se tornar mais desumana.
Quem perde a dor e a falta também perde um aspecto importante da sua humanidade, de expressar tal dor e transforma-la em beleza, em arte, em tradição.
Túmulo e arte
“Era da idade de trinta e dois anos quando começou a reinar, e reinou em Jerusalém oito anos: e foi-se sem deixar de si saudades algumas; e o sepultaram na cidade de Davi, porém não no sepulcro dos reis” – Crônicas 21:20
O texto bíblico, na narrativa da morte de Jorão evidência, por meio da narrativa histórica, como a forma de sepultamento pode se tornar uma espécie de punição para o ímpio; Conota um sentido de que ser enterrado sem honras, é não tê-las conquistado durante a vida. Ou seja, não ser um sujeito honrado.
Tais honras sempre foram manifestas na forma de arte tumular no decorrer da história.
Muito para além do roubo da arte tumular, a tendência do cemitério tipo parque, tem retirado dos seres o direito a viver a dor da perda, e sem vivê-la não há como supera-la; Tem roubado o direito de uma reaproximação dos familiares no momento de dor. É comum ouvir atualmente, que se a pessoa já está morta, não há necessidade de deslocar os familiares para enterrá-las, ora, mais do que enterrar um morto, o adeus é uma vivência no âmbito espiritual, familiar e reflexiva, fazendo o indivíduo repensar a sua própria existência e também a condição humana.
A vida que não reflete sobre si mesma perde aspectos fundamentais no que tange a própria existência e completude do ser.
Uma humanidade que não avalia a efemeridade do humano, não prima à existência, não conhece a unidade que compõe o todo, não valoriza a unidade e sequer o todo.
Pessoas que não completam seu luto de forma normal sofrem da depressão pela culpa de uma impotência não expressa não chorada, não sofrida. Tornam-se niilistas, pois não acreditam em nada, menos ainda na sociedade que não lhe acolheu no momento da sensação de desamparo resultante da perda.
A civilização ocidental passa por um período em que inúmeros aspectos humanos têm sido suprimidos em detrimento de um pragmatismo, de comodismo, e os cemitérios têm refletido essa forma de negligência; e a negligência para com fatores tão importantes tal qual o luto tem gerado uma sociedade com aumento de psicopatologias.
Referências
1- BEE, Helen. O Ciclo Vital. Trad Regina Garcez. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
2- BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Almeida Corrigida e Fiel, 1994.
3- BOWLBY, J. Attachment and loss (vol. 3), Loss, sadness, and depression. Basic Books. New York, 1980.
4- MARSHALL, V. W. e LEVY, J. A. Aging and dying. In R.H. Binstock e L.K. George (Eds.), Handbook of aging and the social sciences. San Diego, CA: Academic Press. 1990.
5- REICH, J.W.; Zautra, A.J. e Guarnaccia, C.A. Effects of disability and bereavement on the mental health and recovery of older adults, Psychology and Aging, 4, 57-65. 1989.
6- SANDERS, C. M. The Mourning after. Wiley-Interscience. New York. 1989.
7- SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Editora Vozes. Petrópolis, 1997.
8- STROEBE, W. E STROEBE, M.S. Beyond marriage: The impacto f partner loss on health. In R. Gilmour e S. Duck (Eds.), The emerging field of personal relations. Hillsdale, NJ: Erlbaum. 1986.

Mayra Lopes de Almeida Reis.

Publicado em: 15/07/2008.

UFG.

Lápide e Memória

Resumo
A memória possui uma importante posição na sociedade atual, não só por consolidar o conhecimento, mas também por fornecer ao indivíduo evocações de fatos que faz com que ele consolide sua história e evoque seus hábitos.
Há aspectos importantes no mecanismo da memória e no seu desenvolvimento e ampliação no decorrer da história. Um marco no senso de existência e busca por historicidade evidencia-se com o surgimento da lápide completada pelo epitáfio. A lápide assume uma conotação não apenas de construção, mas também simbólica sendo uma evidência da evolução do SNC e no uso atribuído aos centros neuronais, que por necessidade afetiva e social se desenvolvem e culminam em outros progressos para a humanidade.
Palavras-chave: lápide, memória, existência.
Abstract
Memory plays an important part in today’s society, not only because it helps consolidate knowledge but also for reminding men of facts, so that he becomes apt to remember his habits.
There are important aspects in the mechanism of the memory, its development and expansion. It’s a keystone in the sense of existence and the search for historical background shows it ale began with a tombstone engraved with the last words about the deceased. The tombstone thus becomes not just something built but a symbol, and it’s the evidence of an evolution of the CNS and of the use of neural centers which develop, because of emotional and social need, ending in other types of progress for mankind.
Key-words: tombstone, memory, existence.

Introdução
Memória é a capacidade de reter, recuperar, guardar e evocar informações. A memória humana se consolida, ao focar em objetos determinados e por requerer grande quantidade de energia, tende a se deteriorar com o passar do tempo.
Para deter tal deterioração o ser humano criou, no decorrer das eras, para facilitar a evolução, mecanismos que visam manter a memória para dessa forma consolidar a história e tornar a vida facilitada por intermédio da tradição.
A tradição que é expressa por meio da arte, que pode ser encontrada em todos os lugares, inclusive nos cemitérios e nas lápides que evocam a memória e funcionam como indicativo implícito do contexto da saúde de uma época, de seus medos e de suas esperanças, da existência de uma vida que jaz em corpo, mas que se insere na história. Aponta ainda para a evidência de que o sistema neuronal adapta os homens ao ambiente nos diversos âmbitos, dentre eles o físico, o social e o afetivo. Serve como indicativo significativo de que a memória precisa de estímulo para se conservar, uma vez que consiste em uma capacidade de atualizar informações necessárias a manutenção da vida. Conhecimento empírico tão antigo quanto às lápides que só recentemente tem sido sistematizado e estudado pela neurociência que deve usar as lápides como prova empírico-histórica para consolidação de suas teorias acerca da memória.
Lápide
Presença de pedras consolidando as lápides, um hábito ainda vigente na constituição dos cemitérios atuais.

Lápide, o mesmo que lápida ou ainda lousa tumular, é um substântivo feminino que no passado já foi indicativo de pedra comemorativa de um fato notável, que com o decorrer da história, passou a celebrar a memória de alguém, uma vez que uma vida que se finda é uma existência que se torna completa, um feito considerável por sua completude.
Apesar de atribuirmos sua construção ao século XIV, como uma medida para axiliar na duração das obras, existem inúmeros relatos acerca de sua existência que precedem e muito a tal data. Geralmente os relatos estão associados a textos literários ou históricos, pois a conservação que visava superar a efemeridade encontra-se em sua maioria em cemitérios, igrejas, e outros locais, sendo atualmente encontradas inclusive em museus.
Um dos textos mais conhecidos que ilustra a historicidade da lápide é: “Jesus, pois, movendo-se outra vez muito em si mesmo, veio ao sepulcro; e era uma caverna, e tinha uma pedra posta sobre ela.” – Jo 11,38.
A pedra pode ser, portanto, considerada como precursora de toda e qualquer lápide, por possuir atributos físicos que vão desde proteção e marcação do lugar onde o corpo deita-se para o sono eterno, até inclusive atributos simbólicos devido a sua lenta deterioração física, conferindo ao imaginário humano a idéia de que não é efêmera, ou, ao menos, não tão efêmera quanto à vida humana.
“Os antigos germânicos, por exemplo, acreditavam que os espíritos dos mortos continuavam a existir nas lápides dos seus túmulos. O costume de colocar pedras sobre os túmulos deve ter surgido da idéia simbólica de que algo eterno do morto subsiste, e encontra nas pedras a sua representação mais adequada.” – Jung
Inclusive devido a tal analogia pode se estruturar uma relação simbólica entre a pedra e o ser. “Já mencionamos o fato de que o self é simbolizado, com muita freqüência, na forma de uma pedra, preciosa ou de outro tipo qualquer.” - Jung
As funções física e simbólica da lápide são brilhantemente citadas:
“Descansem o meu leito solitárioNa floresta dos homens esquecida,À sombra de uma cruz, e escrevam nela:Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Sombras do vale, noites da montanhaQue minha alma cantou e amava tanto,Protegei o meu corpo abandonado,E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d’auroraE quando à meia-noite o céu repousa,Arvoredos do bosque, abri os ramos...Deixai a lua pratear-me a lousa!” - (Álvares de Azevedo)
Na estrofe inicial, o poeta menciona o esquecimento que vem com a morte, e o desejo de eternizar-se no tempo por meio do seu ofício, contribuição para o mundo, através do que simbolizou a sua existência.
Na segunda, menciona a função de protetora e delimitadora de onde o corpo jaz necessitando de abrigo, acolhimento.
Na terceira, pede para a natureza abrir-se de forma que permita ao luar iluminar a lápide, ora, se ilumina algo para que seja visto. E o que é visto é imediatamente lembrado, evocado porque existe de certo modo na memória.
Tal memória é indicativa da evolução neurológica humana que começa a colocar-se além da memória de procedimento, que é ligada a capacidade de reter e processar informações que podem ser realizadas como andar, por exemplo; Atingindo a memória declarativa que consiste na capacidade de verbalizar um fato, podendo ser imediata ao tratar de fatos muito recentes que são rapidamente esquecidos sem deixar traços, ou mesmo, das memórias de curto ou longo prazo.
A memória de curto prazo forma traços de memória e possui a duração de algumas horas, podendo ou não ser consolidada. Se consolidada, pode durar meses e anos sendo chamada de memória de longo prazo. A memória de longo prazo envolve a capacidade de aprendizagem e assume suma importância para a evolução de uma tradição de cultura universal por meio do conhecimento alcançado por gerações ancestrais e acionado por gerações futuras de seres também inseridos no tempo.
A lápide enquanto forma material para evocação da memória funciona inclusive como auxiliadora da memória que é base do conhecimento e deve ser trabalhada e estimulada, pois é por meio das experiências cotidianas transmitidas que se atribui significação ao sentido da existência humana. Enquanto ser social, de importância histórica, a lápide tenderá a referir-se ao ofício que dignificou o ser por ela eternizado, evocado, lembrado se tornando um verdadeiro livro de vidas, pois foi completa com um texto, o epitáfio.
Epitáfio
Epitáfio é uma palavra de origem grega, ἐπιτάφιος que significa “sobre a tumba”. Etimologicamente, prefixo epi que designa posição superior acrescido do radical tafos que significa túmulo. São, portanto, frases escritas sobre os túmulos, homenageando a pessoa ali sepultada, geralmente escrito em placa ou pedra.
A composição musical mais antiga e completa do mundo ocidental (letra e melodia) de que se tem notícia é o epitáfio de Seikilos. A melodia foi encontrada gravada em grego em uma lápide perto de Aidin na Turquia (próximo de Éfeso). Com o seguinte texto:
GREGO (transliterado):
Hoson zes, phainou
Meden holos su lupou
Pros oligon esti to zen
To telos ho chronos apaitei
PORTUGUÊS:
Enquanto viveres, brilha
Não sofras nenhum mal
A vida é curta
E o tempo cobra suas dívidas
Além da composição presumivelmente feita para a esposa de Seikilos enterrada no local, há ainda a inscrição: “Eu sou um túmulo, um ícone. Seikilos me pôs aqui como um símbolo eterno da lembrança imortal.”
Expressões como “lembrança imortal” servem como indícios do uso de determinadas áreas cerebrais sempre associadas ao aspecto emocional e de linguagem. Desde meados do século XX questiona-se se as funções de memória são localizadas em regiões cerebrais específicas havendo dúvidas quanto a sua possível relação com linguagem e percepção, ou se seria apenas uma função distinta da atenção.
Ora, considerando-se as evidências históricas presente nas lápides, percebe-se que essa função, mesmo que centralizada não encontra-se só. Em 1861 Broca demonstrou que lesões restritas à parte superior do lobo frontal esquerdo (área de broca) causavam um defeito específico na linguegem afetando também a memória. Penfield foi o primeiro a mostrar que os processos de memória encontram-se associados a locais específicos no cérebro humano verificando que estimulação elétrica produz resposta experiencial ou retrospecção em que o paciente era capaz de descrever uma lembrança ou experiência vivida.
A lápide, também no decorrer da história funciona como um estímulo para a memória mas efetuada por meio de outras vias neuronais mais corticais relacionadas à linguagem, principalmente quando existe a presença do epitáfio. E a questão da memória que é tão atual no que tange ao afinco científico da neurociência e da psicologia, impera de forma prática por muito tempo nas lápides pelos cemitérios mundo afora.
Lápide na História
A lápide está na história e sofre interferência por meio da mesma. Protege a memória e sofre interferência por intermédio das memórias. No século XIV com a presença da peste negra ouve uma devastação de vidas humanas, devastação que só se reduziu a partir de 1350 embora a doença permanecesse no continente europeu de forma endêmica até por volta do século XVIII. As seqüelas deixadas pela peste foram permanentes, alterando a relação das pessoas, abalando a infalibilidade do clero, ampliando o misticismo e reforçando a fé pessoal. Na arte transformou-se a forma com que a morte era representada, mais assustadora agora, levando em seus braços falecidos descarnados e torturados, testemunha permanente da imensa cicatriz psíquica social provocada pela peste negra.
E, como toda cicatriz psíquica precisa de uma resimbolização para conferir sentido a dor sentida, gerando esperança e possibilitando a continuidade da vida. Curiosamente, encontra-se nos livros de história o arquiteto Jackson como o primeiro a projetar a primeira lápide em 1366.
A lápide vem, portanto, eternizar o homem efêmero e vencer a dor causada pelas perdas ocasionadas pela peste.
A lápide pode funcionar inclusive como única via da herança deixada sobre a face da terra pelos homens diante da morte, como tão bem ilustrada na lápide que não existiu na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”–MACHADO DE ASSIS.
Sendo assim a lápide assume na história uma função de narrar a memória social da humanidade. O que pode ser ilustrado por algumas lápides famosas, como por exemplo:
“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. – Machado de Assis
“Passant, ne pleure pas ma mort (Passante, não chores minha morte)Si je vivais tu serais mort. (Se eu vivesse tu estarias morto)” -
Robespierre
“Δεν ελπίζω τίποτα. Δεν φοβούμαι τίποτα. Είμαι ελεύθερος ("Não espero nada. Não temo nada. Sou livre").” -
Níkos Kazantzákis
“É uma honra para o gênero humano que tal homem tenha existido." - Newton
"Considero minhas obras como cartas que escrevi à posteridade sem esperar resposta". -
Villa-Lobos
"Assassinado por imbecis de ambos os sexos". -
Nelson Rodrigues
Há ainda casos atípicos como o da família de Tancredo Neves que mudou o epitáfio desejado pelo mesmo, que era o seguinte: "Aqui jaz, muito a contragosto, Tancredo de Almeida Neves".

Epitáfio e Sociedade
O epitáfio acabou por se tornar algo importante sob a perspectiva social, e também se tornou forma de expressar a ironia. Mas, sem perder a sua função típica de expor de forma resumida o sentido da vida do sujeito, evocar uma memória. Ao que pode ser ilustrado pelo seguinte texto que caminha pelo correio eletrônico sem referencia de autor, mas que sem dúvida é uma expressão da relação do senso comum com a arte da lápide em uma crítica social.
Profissão / Lápide
Agrônomo - Favor regar o solo com Neguvon. Evita vermes.
Alcoólatra - Enfim, sóbrio.
Arqueólogo - Enfim, fóssil.
Assistente social - Alguém aí, me ajude!
Broter - Fui.
Cartunista - Partiu sem deixar traços.
Delegado - Ta olhando o que? Circulando, circulando.
Ecologista - Entrei em extinção.
Espírita - Volto já.
Funcionário público - É no túmulo ao lado.
Gay - Virei purpurina.
Herói - Corri para o lado errado.
Hipocondríaco - Eu não disse que estava doente?
Humorista - Isso não tem a menor graça.
Jangadeiro diabético - Foi doce morrer no mar.
Judeu - O que vocês estão fazendo aqui? Quem está tomando conta da lojinha?
Pessimista - Aposto que está fazendo o maior frio no inferno.
Psicanalista - A eternidade não passa de um complexo de superioridade mal resolvido.
Sanitarista - Sujou!
Viciado - Enfim, pó.
Lápide do Indigente
Ao falarmos da função de memória social para as lápides, fica incógnita a função da mesma para aqueles que por vezes sequer têem túmulos, os indigentes.
Mas, mesmo o indigente que faz algo pela humanidade, apesar de não possuir uma tumba clássica, recebe uma espécie de lápide nos centros anatômicos, pois antes da sala das cubas há sempre uma placa que é sem sobra de dúvidas, uma lápide simbólica. Mostrando que a lembrança e a gratidão funcionam como companheiras na construção da história e na consolidação da memória daqueles que antecederam a geração contemporânea na caminhada humana sobre a Terra.

Placa sobre a porta da sala das cubas (onde guardam os corpos) no centro anatômico, com dedicatória ao cadáver desconhecido.
Eis os dizeres, e a memória que existe na lápide do indigente que contam também no código de ética médica: “Aquele sobre cujo peito não se derramaram lágrimas de saudades, sobre cujo ataúde não se jogaram flores, de cujo nome não se soube, sobre cujo feitos não se escreveu a historia, mas cuja lembrança, em nós, haverá de ser eterna como a saudade, grande como altruísmo, eloqüente como o seu gesto, dando tudo à mesma humanidade que tudo lhe negou em vida.”- Autor desconhecido
A lápide atualiza, portanto, aspectos de uma memória que se inicia no singular e que vai até o universal, uma vez que retrata a forma de lidar com uma condição humana universal: a inserção do humano no tempo.

Referências
ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Editora Globo. São Paulo. 1997.
AZEVEDO, Álvares de. "Lira dos Vinte Anos". São Paulo: Martins Fontes, 1996. (ColeçãoPoetas do Brasil)
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LE GOFF, Jacques. As doenças tem história. Lisboa: Terramar, 1990.
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MACHADO, Ângelo. Neuroanatomia funcional. Editora Ateneu. São Paulo, 2004.
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Editora Vozes. Petrópolis, 1997.
Mayra Lopes de Almeida Reis.
Publicado em: 15/07/2008.
UFG.

Onde a Morte Socorre a Vida

Resumo
O cemitério é o lugar onde se abriga a morte, e a morte abrigada se compraz em socorrer a vida. Socorrer a vida ao promover a saúde ajudando o humano a lidar com a efemeridade e com suas limitações. E, socorrer a vida de forma holística, pois institui uma forma de lidar com a morte, promove efetivamente a saúde nos âmbitos: corpóreo, psíquico, público e espiritual. Perceptível em cada uma das áreas de modo específico.
Considera-se, portanto que o surgimento e sua perpetuação na história se devem ao fato de ser um agente promotor de saúde em diversos âmbitos e que vem sofrendo conseqüências sociológicas que tem afetado sua funcionalidade em decorrência de mudanças no aspecto estético e físico do mesmo.
Palavras-chave: cemitério, saúde, sociedade.
Abstract
The cemetery is a place where death finds shelter and sheltered death aids life. It does so when it fosters health helping human beings cope with transience and its limitations. It does so when it aids life in an holistic approach, creating a way of dealing with death, fostering health in different aspects: material, psychic, public and spiritual. This is discernible in each one of these areas in a very specific way. It is considered that its creation and permanence along the years in History, is due to the fact that it is a health promoting tool in distinct areas and also that it has been suffering sociological consequences that have affected its performance in relation to changes in its physical and aesthetic aspects.
Key-words: cemetary, health, society.

Introdução
Segundo o dicionário, cemitério é um substantivo masculino que designa o lugar onde se sepultam os cadáveres dos mortos. O termo pode ainda assumir diversas conotações que tendo sentido amplo, pode variar desde “local onde ocorre muita mortandade” incluindo até seu uso para adjetivação de situações, indicando lugar silencioso e desértico, como na expressão “paz de cemitério”.
Na vida prática, assume conotações simbólicas não só no que tange a vivência religiosa, mas no que alcança conceitos como efemeridade e a saudade relacionada ao enterro do corpo, assumindo um caráter coletivo enquanto local público.
Ao avaliar a instituição que é o cemitério em seus diversos aspectos na cultura ocidental, faz com que se levante o questionamento: Por que existem cemitérios?
Considerando-se que o cemitério não é o lugar onde ocorre a morte pode excluir-se a hipótese de que ele existe porque a morte existe. Mesmo porque, nem tudo o que morre será sepultado em um cemitério.
A curiosidade se aguça para saber não só o que cria a necessidade do cemitério, mas também na busca do porquê de sua existência e permanência no decorrer da história da humanidade.
É, portanto, a base ideológica fundante do cemitério que deve ser alcançada.
Por meio da dedução lógica, diante de vasta teoria sobre o tema, fica claramente perceptível que a função medular que sustenta o surgimento e a manutenção dos cemitérios encontra-se no fato de este ser uma medida de salubridade completa.
Uma medida salubre não só no aspecto bioquímico e epidemiológico que possui, mas por ser uma medida de saúde de abrangência holística, alcançando caracteres humanos básicos tais como: saúde mental da população diante do luto do indivíduo, por ser o último cuidado dispendido para com o corpo, por ser relevante quando a disseminação das epidemias, e ainda por ser no âmbito simbólico responsável pela estruturação do ser inserido na história e diante da eternidade, confluindo para a saúde espiritual no campo religioso.
Abrigando a morte
Seguindo a lei da conservação, na natureza nada se cria tudo se transforma. O ciclo vital mostra que a morte existe todo tempo e que se o morrer é constante isso se deve ao fato de que é sucessão da vida, que só porque se renova pode extinguir-se sempre.
Mesmo defrontados com o constante morrer da natureza não houve um só pensador que ousasse defender a idéia de que o mundo é um macro cemitério.
Isso ocorre porque, se o morrer é constante, a morte em si em um fato, um evento que marca o fim do morrer constante das células do metabolismo de um organismo.
Além de ser fato, a morte é um marco, pois cada indivíduo só morre em absoluto e efetivamente uma única vez, e nesse momento sua história está fechada, e os que ficam podem considerá-lo um ser completo que cumpriu a sua função.
Tem-se então o defunto, tal qual na sua conotação etimológica: defunto, do latim defunctus, formada pelo prefixo de, com functus, que é o particípio passivo do verbo fungi (cumprir, acabar, pagar uma divida), vinculado a idéia de “aquele que cumpriu sua função”.
Na sociedade do morrer constante acumula-se história, uma história que culmina em normas e hábitos, que resulta em uma tradição.
É exatamente nesse contexto social que a cultura do cemitério se consolida. É justamente quando surge a necessidade de se abrigar uma tradição permeada de história, crenças e imaginário simbólico que aparece a capacidade de se atribuir a tal abrigo um lugar.
O lugar escolhido é o mesmo que abriga o corpo do que se foi, e as conotações do luto simbólico: o cemitério.
Quando diante da temática do cemitério, as reações são diversas, porque apesar de remeter à morte, a efemeridade e aos limites da condição humana, é o lugar do abrigo do fim, é aonde a sociedade guarda a morte.
Inicialmente guarda a morte criando sua tradição, e posteriormente cria uma tradição com formas específicas e regras para guardar a morte (normas de sepultamento).
Abrigar a morte é algo assustador, porque abrigá-la é permitir a sua dinâmica, é constatar a sua vida. É saber que a morte é viva visto que não morre. É complexo, por conferir a consciência da constância do evento.
Torna-se significativo perceber que saber lidar com a morte é abrigá-la de algum modo. Abrigar a morte é aceitar o princípio da realidade culminando em uma postura saudável do sujeito, no seu bem estar psíquico, físico e social de indivíduo íntegro que consegue superar o luto.
O corpo e o cemitério
É função de a área médica emitir o atestado de óbito e assim, o corpo ganha sua documentação final. Tal emissão torna-se insuficiente, é necessário fazer algo com esse corpo, “devolver o pó ao pó”. Cuidando para que ele não seja profanado em nenhum aspecto. Afinal, ele é a parte do ser que jaz sem consciência.
Ora, para aquele que permanece vivo, existe a saudade do falecido, personificada na falta que se sente do corpo. Mas o corpo se deteriora, e sua presença tem que ser então transferida para o lugar onde descansará.
O hábito de visitar cemitérios, bem como o de realizar culto a antepassados livra o familiar que permanece vivo da solidão. Tem um efeito psíquico salubre, por imergir o indivíduo na tradição (por intermédio da arte), reduzindo a sensação de abandono que o sobrevivente sente.
A sociedade pós-moderna que ao buscar inovações nega a tradição, que não tem o hábito de consagrar a sucessão familiar, bem como o hábito de visitar cemitérios faz com que essa mesma sociedade passe a tender a remoer a sensação de abandono natural após o luto, e se torne por conseqüência uma sociedade mórbida com altos índices de doenças psíquicas.
Faz-se importante se considerar o cemitério como lugar que ao acolher o corpo e a tradição, promova a saúde psicossocial dos familiares do defunto. O que é materializado e intensificado pelo hábito de visitar cemitérios.
Cemitério enquanto medida de saúde pública
No decorrer da história da humanidade, grande parte dos problemas de saúde pública relacionou-se com a natureza da vida em comunidade. Abrangendo diversos campos, dentre eles: controle das doenças transmissíveis, o controle e a melhoria do ambiente físico (saneamento), a provisão de água e comida puras, e o alívio da incapacidade e do desamparo. A ênfase sobre cada um desses problemas e situações varia no tempo e na história.
Grosso modo, a medicina social se forma em três etapas: medicina de estado, medicina urbana, medicina da força de trabalho.
A medicina urbana encontra seu exemplo clássico na França, onde a situação dos cemitérios é significativa. “Nasce o cemitério urbano, medo da cidade, angústia diante da cidade que vai se caracterizar por vários elementos: medo das oficinas e fábricas (...); medo, também, das epidemias urbanas, dos cemitérios que se tornam cada vez mais numerosos e invadem pouco a pouco a cidade; (...)” - FOUCAULT.
E continua: “darei o exemplo do ‘cemitério dos inocentes’ que existia no centro de Paris, onde eram jogados, uns sobre os outros, os cadáveres das pessoas que não eram bastante ricas ou notáveis para merecer ou poder pagar um túmulo individual. O amontoado no interior do cemitério era tal que os cadáveres se empilhavam acima do muro do clausto e caíam do lado de fora. Em torno do claustro, onde tinham sido construídas casas, a pressão devido ao amontoamento de cadáveres foi tão grande que as casas se desmoronaram e os esqueletos se espalharam em suas caves provocando pânico e talvez mesmo doença. Em todo caso, no espírito das pessoas da época, a infecção causada pelo cemitério era tão grande que, segundo elas, por causa da proximidade dos mortos, o leite talhava imediatamente, a água apodrecia, (...)” – FOUCAULT.
Assim como agente estimulador de medidas de medicina urbana, existem inúmeros outros exemplos, dentre eles o do Cemitério da Consolação (SP), que por gerar apreensão em relação à saúde através do medo da transmissão de doenças, alterou sua localização.
É difundido o fato dos cemitérios obedecerem a uma ordem sócio-espacial situando-se no fim do perímetro urbano, na periferia, não só para não serem vistos, como é o caso das penitênciárias, mas também para evitar epidemias, assim como no caso dos aterros sanitários.
Sua localização, aliada a suas condições sanitárias denota significativa importância epidemiológica, funcionando também como limite da urbanização, havendo inclusive uma preocupação durante a sua manutenção no que tange a ser um patrimônio público (passível de ser pichado, depredado...). É ainda relevante uma postura de segurança em relação a aqueles que o visitam, para que não funcione como vetor transmissor de doenças, o que ocorre no caso de alguns casais que contraem doenças bacterianas ou mesmo infecciosa ao realizarem práticas sexuais no cemitério.
Na função de promotor da saúde enquanto patrimônios públicos que ao dar lugar aos corpos reduz taxas endêmicas e fatores epidêmicos, o cemitério é, mesmo que de forma aparentemente velada, uma medida de saúde pública desde o seu nascimento, passando pela medicina urbana, até os dias atuais.
Cemitério promovendo conforto espiritual

“Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque naquela está o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração.” – Eclesiastes 7:2
Desde que o humano se conscientizou a respeito da morte, não se sabe o que acontece com a consciência, com a alma, com o espírito daqueles que se foram. Em meio à dúvida, as diversas religiões estruturam inúmeras explicações e hipóteses que não são passíveis de comprovação por seres vivos.
Toda incerteza gera conflito, medo e angústias; E, mesmo com toda linguagem mítica religiosa acerca “das almas que voltaram pra Deus”, a insegurança do que acontece ao ser no pós-morte permanece.
Mas, sendo o cemitério o abrigo do cadáver, da morte, há também de abrigar o sentido espiritual/mítico conferido a aquele que morre. Assim, há um forte elo entre a religião e as tumbas. E, medidas que eram apenas de saúde pública passam a ganhar contornos religiosos que por meio do mito, confere sentido ao rito do enterro.
Além da significância que a religiosidade atribuiu ao sepultamento, o cemitério se faz importante por também acolher a dor e a tristeza de se perder um ente querido.
A sociedade pós-moderna ocidental é a sociedade da Fluoxetina, da primazia do bem-sucedido, que exalta o feliz e a felicidade.
Há uma depreciação com a tristeza, como se esta não fosse permitida. Valoriza-se aquele que sente a perda de forma atenuada.
O que é esquecido, é que um ser humano normal e saudável tem um período de luto, que faz parte do mecanismo de adaptação do sujeito. É natural e até correto diante da morte refletir sobre o que tem sido a vida e sofrer com a perda, com o deparar com o princípio da realidade que tira o humano da ilusão de potência ilimitada. Para quem passa por essa situação natural de encontrar o limite, existe a tristeza.
Assim sendo, muitas pessoas não gostam de visitar cemitérios, considerando o lugar fúnebre e triste. E esse seja talvez o principal motivo que faz com que o brasileiro (o feliz que faz festa e carnaval) tenha o hábito de visitar cemitérios apenas quando está em outros países, a título de cultura geral.
A prova empírica de que a sociedade passa por um momento de negação da tristeza que culmina em culpa (por uma tristeza recalcada) e gera depressão, é que sequer o cemitério pode ser cemitério.
A sociedade da pílula da felicidade nega o sepulcro e a dor da perda e tenta substituí-lo pela alegria do parque. A nomenclatura atual da grande maioria dos cemitérios é parque, que foge tanto a realidade que precisa de complemento nominal para causar a identificação, como por exemplo: “parque da saudade” (...).
A civilização da aparente felicidade roubou dos vivos o direito de chorar seus mortos, de expressar sua dor de forma simbólica nos sepulcros.
E dessa maneira os lutos não se cumprem, e as pessoas deprimidas passeiam em meio a seus parques.
Saber lidar com a morte, não é negá-la, é aceitá-la, abrigá-la com a dor que é intrínseca a ela. É precisar significar o fato de forma mítica, religiosa e artística.
A sociedade que prima a existência como felicidade, tende a negar a tristeza que faz parte da experimentação de ser do ser. E, esconde a tristeza, mas intensifica a angústia, o vazio que ficou no lugar da tristeza não significada e não expressa.
O que fica evidente quando comparamos a foto de dois túmulos.
O primeiro, de um cemitério tradicional municipal.
O segundo o de um cemitério do tipo parque, inaugurado há aproximadamente dois anos. Ambos no mesmo município.
Os tumulos têm se tornado vazio como a vida mítica e espiritual da civilização, vazios como as almas que negam a tristeza, negando a si mesmas o direito de existir de determinado modo. Túmulo vazio de arte que tem dificultado para que o cemitério efetive sua função simbólica de agente auxiliador do cumprimento do luto, do luto que se cumpre permitindo a saúde.
Afinal, é exatamente quando permite e auxilia o cumprimento do luto e suas expressões míticas, que o cemitério cumpre sua função de promotor da saúde espiritual do ser.
"A grande coragem é, ainda, a de manter os olhos abertos, tanto sobre a luz quanto sobre a morte" – CAMUS.
Referências
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CAMUS, Albert. O avesso e o direito. 2 ed., Rio de Janeiro: Record, 1995.
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___. [1917] Luto e Melancolia. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
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PACHECO, A. (2006). Os cemitérios e o ambiente. Ambientebrasil on line, 2p.PACHECO, A. (2006). Os cemitérios e o ambiente. Revista do CREA - RS, ano III, n. 24, p.30
ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo: UNESP Ed., 1994.
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada. Editora Vozes. Petrópolis, 1997.

Mayra Lopes de Almeida Reis.
Publicado em: 15/07/2008.
UFG.

Ensaio Hermenêutico I: "Justificação que condena."

A interdisciplinaridade deve existir, mas não deve ser extremista como atualmente observa-se, porque, dessa forma, existem determinações que são exclusivas de uma ciência específica que são erroneamente usadas em outras ciências. O que pode ser exemplificado como a terceira Lei de Newton: "A cada força (ação) corresponde outra força igual e oposta (reação)".
A partir dessa lei newtoniana, a sociedade tenta justificar tudo, e tornou-se comum ouvir expressões como "aqui se faz, aqui se paga", "colheu tempestade porque plantou ventania", "só se colhe o que se plantou".
O cientificismo exagerado de nossa sociedade tenta usar a física para explicar tudo. Confere-se à lei de Newton uma hermenêutica que ela não possui. Essa lei resultou de séculos de experiências com objetos em movimento, foi elaborada para as ciências exatas. É nas ciências exatas que deve permanecer, portanto.
É evidente que as ciências humanas possuem considerações semelhantes, pois todo ato tem um resultado. Mas um resultado, não implica que ocorrerá o esperado por um padrão probabilístico, quando tratamos de ações humanas ou mesmo da biologia; Por vezes, ocorre o pouco provável em determinado ao planejado, ao esperado. Sendo assim, as questões do ser humano devem ser tratadas pelas ciências humanas. As leis Newtonianas já possuem razões suficientes para a sua existência na física.
São inúmeras as ciências que tratarão das ações humanas e seus resultados, dentre elas: a psicologia que mostrará a importância do posicionamento humano diante da adversidade; a filosofia que tenderá a explicar o que é o homem, o que são resultados... E, a teologia que alem de relacionar o homem e seus resultados terá que explicar como fica a percepção humana da vontade de Deus em meio às tais circunstancias.
Observa-se na sociedade que se uma pessoa pratica iniqüidades ela sofrerá a punição por suas más ações. Tal observação PARECE encontrar justificativa no Salmo 1 que transcrevo:
"Ditoso o homem que não se deixou levar pelo conselho dos ímpios, que não se deteve no caminho dos pecadores, que não se sentou na cadeira dos zombadores, mas que tem a sua vontade posta na lei do senhor, e nessa lei medita de dia e noite. Será como árvore, que está plantada junto às correntes das águas, que a seu tempo dará seu fruto, e cujas folhas não cairão; e todas as coisas que ele fizer serão prósperas. Não são assim os ímpios, não assim; mas serão como pó que o vento dispersa à superfície da terra. Por isso os ímpios não ressuscitarão no juízo, nem os pecadores estarão na congregação dos justos; Porque o senhor conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios perecerá."
Se o salmo for analisado de forma pragmática, racionalmente, sem cuidado hermenêutico dará a falsa impressão de que concorda com a 3ª Lei de Newton e com a crueldade desumana que afirma: "está pagando o mal que fez". Porém, torna-se função da ciência humana indicar uma interpretação mais humana e menos cruel, mais digna de um texto sagrado.
Deve-se atentar para o fato de que independente da Bíblia utilizada a tradução dos verbos encontram-se sempre no sentido de ser e de estar, nunca no de ter ou possuir principalmente quando se refere ao resultado da ação. Como no caso dos verbos que estão grifados e para os quais se deve atentar com maior atenção.
Quando o salmista coloca: "e todas as coisas que ele fizer serão prósperas" refere-se a um próspero não no sentido material ou monetário de prosperidade e sim no sentido de uma prosperidade da existência que cumpriu sua função.
Ora, alguns são tendenciosos a emitir julgamentos pessoais baseados em bens materiais, e não embasados no que o ser é. Mas a escritura é clara: será no sentido de que o ser permanece com a provisão necessária a sua existência indicada no verbo está. Que confere às águas correntes a função de provisão necessária à vida do ser, ou melhor, da árvore. E, dará o seu fruto. Só é possível dar o que se é em existência, só se dá o "dar-se". As demais relações de doação não passam de bens materiais transferidos.
A comparação a uma árvore frutífera, bem suprida em suas necessidades de alimento e refere-se a uma árvore capacitada para atingir o pleno potencial a ela designado por Deus (a palavra hebraica usada para descrever este tipo de homem indica algo ou alguém que é fiel a um padrão, que é como deve ser).
O comparado com o pó faz menção à Palestina antiga onde a poeira era levada aos ares do alto dos morros sem direção, dominada pelo vento. No texto, a arvore é análoga ao homem. Os frutos são as próprias ações, ações que coincidem com o que é intrínseco do ser. E, o salva do mal metafísico de ser menos do que poderia ser. Desse modo, só o ser que é poderá inserir-se na história como folhas que não cairão. Então, "os ímpios serão como pó que o vento dispersa à superfície da terra", ou seja, são menos do que poderiam ser diante das possibilidades para sua existência e permanência na historicidade.
"Por isso os ímpios não ressuscitarão no juízo, nem os pecadores estarão na congregação dos justos." Uma vez que aquilo que não é, não poderá ressuscitar, e o que não existe não poderá estar. Sendo Deus o puro ato de ser, conhecerá o caminho dos que são. O caminho dos demais perecerá no tempo. O primeiro salmo não vem condenar o humano, e sim constatar a existência de um mal enquanto falta, ausência do bem.
Fica óbvio que ser mau já é resultado de um modo de ser inadequado, insuficiente, e para essa completude simultânea não se fazem necessárias maiores punições do que o próprio desperdício de um ato que poderia se aproximar mais da plenitude. Ser "menos" é estar fadado à falta de si mesmo.
Haveria punição maior?
Surge a pergunta: "Por que se precisa da idéia de culpa, de pagar"? Pois bem, quando o ser humano se depara com situações aparentemente injustas, tenta arrumar justificativas para tornar a situação mais suportável. A forma mais fácil é conferir a culpa a alguém, resignar em "pagar os pecados", mesmo que não saiba qual pecado, mesmo que o respectivo pecado não exista, ou sequer tenha existido.
Diante do cego de nascença procura-se um pecado (João 9); Como encontrar um pecado antes de nascer? Torna-se uma tarefa no âmbito do impossível. Quem sabe seriam talvez pecados de seus pais, seus avós... Do animal de estimação de sua família?
João ensina que o cego de nascença não o é por pecado próprio ou mesmo de seus pais; mas, tal informação pode distorcer a visão da divindade, fazendo-a parecer cruel. Poderia Deus ser injusto? Claro que não, mas a resposta para a questão só pode ser entendida ao observamos os verbos existentes no primeiro Salmo.
Todos os verbos que indicam resultado relacionam ao ser e não ao ter. Deus é o Deus que dá a vida e permite que o homem e a mulher possam ser como nas palavras do salmista: "serão".
Porém, o cientificismo, o pragmatismo e o empirismo da teologia da prosperidade, embevecidos pela terceira lei da física de Newton, reduzem a experiência humana sugerindo que a ação só é perceptível por meio da sua reação: "Fulano tem o que merece". É preciso ousadia para entender que: Fulano pode não ter o que merece, mas, fulano é o que merece. As ações de seres dignos de existir devem ser fundamentas em si, e não nos resultados que poderá obter. Pensar ações visando seus resultados é infeliz, é mais próximo do maquiavélico, do que do sagrado.
Isso se comprova na vida: Todos os meios para permanecer no poder são lícitos? Toda pessoa abastada de ouro, digo, de euros, é capaz de amor e caridade, é humanitária, é humana?
Quando a ação se funda na "vontade posta", como cita o salmista percebe no ato o seu principal propósito de efetivação. Essa postura permite um comprometimento com as ações, com os semelhantes, e do ser consigo. Nem toda desolação é resultado de más ações, como se comprova na história de Jó. Jó era servo fiel de Deus, e tinha uma vida feliz. Satan pede a Deus para retirar os bens de Jó, depois sua família, seus amigos o abandonam, e por último ele é ferido em suas carnes, sendo assim testado em sua fidelidade. Deus permite tudo isso dizendo sempre para Satan: "Eis que ele está na tua mão, conserva, porém, a sua vida". DEUS, SENDO JUSTO, PODE PERMITIR QUE UMA PESSOA ÍNTEGRA RECEBA TRIBULAÇÕES, PORQUE LHE DEU A VIDA, E O RESTO, SÃO APENAS ACRÉSCIMOS, EXPERIÊNCIAS. Só valorizando a vida pode-se atribuir sentido suficiente a resignação de Jó a ponto de entendê-la na passagem em que diz: "Nu saí do ventre de minha mãe, e nu tornarei para lá. O Senhor deu, o Senhor tirou, como foi do agrado do Senhor, assim sucedeu: bendito seja o nome do senhor."
Só valorizando a vida por si mesma, pelo valor de expressar na existência o que se é, o humano será inocentado dessa condenação de tentar justificar seus sofrimentos. Só valorizando a vida é que encontrar-se á uma significação honesta para as experiências difíceis, que proporcionam a possibilidade do "Ser" ser em diferentes situações, mais amplo, fecundo e profundo. As árvores fortes crescem em florestas com muitos ventos, porque seu frágil caule torna-se tronco forte de tanto lutar contra as ventanias. Partindo do entendimento da intensidade que é o que chamamos vida é que se vive a felicidade das almas que lutam, que sofrem por vezes, ou por inúmeras vezes (e toda a diversidade de dores), que é forte porque é viva, é vida, é vontade; Uma vida próxima da expressão hebraica ´osher (felicidade), sugerindo uma alegria vinda do próprio céu. A vida de quem mesmo na adversidade descansa no Espírito por possuir consciência da verdadeira prosperidade, pois a existência é essa graça que nos salva do abismo de não existir, é essa graça chamada vida, sempre pronta a ser imbuída de novos sonhos, de um novo sentir, de novos sentidos.
Mayra Lopes de Almeida Reis.

Psicologia Médica na Prática Clínica


“A vida nos é dada. Mas, a vida não nos é dada feita.”
F. Nietszche.

O ser humano, desde os tempos primitivos, encontra uma luta sem trégua pela existência.
Durante toda luta surgem ferimentos nos seres que lutam, e para cada ferimento uma dor.
Dores provocadas pelas investidas das mais diversas naturezas.
E, para cada dor, uma busca de alívio.
Foi assim, empreendendo uma nova luta, a luta contra a dor e o sofrimento que surgiu a medicina; Sua origem confunde-se com as origens do próprio sofrimento daquele que luta, do humano, o ser que existe, e ao existir no tempo se torna um eterno devir impregnado de história.
E foi devido a essa união de seres contra o sofrimento que nasceu a clínica, caracterizada pela “inclinação” de um ser que curou a si mesmo prestando solidariedade ao individuo abatido, ao ferido.
Já a psicologia, definida como “estudo científico do comportamento e dos processos mentais e de como esses são afetados pelo estado físico e mental de um organismo e pelo ambiente externo”, é uma ciência recente, que visa descrever, compreender, prever, bem como modificar comportamentos ou processos mentais; Sendo assim, efetiva a função terapêutica durante um tratamento habitual na clínica médica.
É fundamental que os profissionais de saúde percebam que a psicologia, permeando o campo da medicina, está para além de questões teóricas como a descoberta que Freud realizou ao abordar o encoberto e por vezes obscuro inconsciente. A dança da arte médica com essa jovem ciência produz resultados empíricos, e, apenas observando a aplicabilidade prática no cotidiano pode-se ousar a avaliar tal junção.
Essa união encontra-se em cada atendimento, pois, toda e qualquer postura do clínico determina alguma mobilização no paciente.
As vantagens de novos modelos humanitários para o atendimento são inúmeras, enfatizando a promoção de uma compreensão mais humana dos pacientes; amplificação da descrição de alguns distúrbios mentais orgânicos, incluindo ainda a expansão de pesquisa das funções cerebrais relacionadas ao comportamento.
Fica óbvio, portanto, que a psicologia médica é importante na clínica. Mas, ao tratar dessa humanização da saúde, deve-se questionar quanto ao elemento humano nela inserido, perguntando: É importante para quem?
Como a temática central é a clínica, avaliar-se-á, primeiramente, sob o prisma do clínico.
Na atualidade, tanto na clínica médica quanto na clínica cirúrgica, as condições de trabalho se fazem precárias, seja devido ao alto número de pacientes atendidos, ou mesmo pela carga excessiva de plantões, valor indigno pago pelos convênios, pressão de laboratórios para manipular prescrições e ainda controle da quantidade de exames diagnósticos e exames complementares efetuado pela direção hospitalar. O clínico precisa ter conhecimento das bases que constituem a psique humana, principalmente a de si mesmo perante a realidade para retomar o seu simbólico sacerdócio, sacerdócio que na história da medicina foi representado por Imhotep, divindade egípcia cujo nome significa “aquele que vem em paz”. Para que por meio do representante de Imhotep, o paciente possa ir em estado de paz profunda.
Na perspectiva do paciente, a psicologia se faz útil na clínica uma vez que o médico poderá facilmente ouvir o paciente captando assim seu “olhar”, seu posicionamento diante das situações, ajudando-o a avaliar a relação custo/benefício de cada uma das terapêuticas possíveis para seu caso em específico.
Para o acadêmico de medicina a psicologia médica influenciará profundamente no atendimento, pois ao estudar o conteúdo da disciplina iniciará o processo de cura do educando. E, segundo o aforismo de Hipócrates: “Só aquele que curou a si mesmo, pode propiciar a cura de outrem”.
No caso do professor, ensinar a psicologia médica significa vencer a “caça ao diagnóstico” ou a mera memorização do conteúdo ministrado; Transmitindo experiência humana vivida no ambiente da clínica.
Afinal, mesmo com todo aparato tecnológico, com todos os fármacos conhecido, o ser humano continua fadado ao nada, caminhando para a morte no seu envelhecer constante.
As pessoas não deixaram de morrer simplesmente porque “a medicina está muito evoluída”. Mesmo porque a medicina não existe para matar nem mesmo a “indesejada das gentes”. E sempre será a mais bela das artes, não por ser infalível ou perfeita, e sim por conviver com as próprias limitações e ainda assim continuar dia após dia a sua eterna tentativa de minimizar o sofrimento, de se inclinar para estender o alívio.
Só um atendimento considerando os aspectos psicológicos do paciente é capaz de dar sentido ao que Hipócrates disse: “A vida é curta. A arte é longa. A experiência difícil”.
A importância de a psicologia aliar-se a medicina tem um sentido particular para cada sujeito, um sentido que quebra o poder de expressão das próprias palavras e se torna uma poesia viva.

Mayra Lopes de Almeida Reis.
Publicado em 07/07/2006
Segunda Mostra UFJF

Cemitério e Medicina

Ao apreciar a imagem acima colocada como plano de fundo da tela do computador o passante comenta que é uma bela escultura e avidamente pergunta de onde provém a foto, pois imagina se tratar decerto uma escultura famosa, afinal sua beleza é deveras encantadora.
Porém, ao saber de onde advém tamanha singeleza há grande estarrecimento, uma vez que se trata da “Alegoria da Saudade” fotografada por Marcelina das Graças de Almeida, no Cemitério do Agramonte na Cidade do Porto.
O estarrecimento, o espantamento tem coerência, pois, vivemos em uma época onde a doença, o envelhecimento e a morte são negados. A efemeridade da existência assombra o humano, e cada um lida com tal fato de uma forma singular. Alguns negam o envelhecimento e se dedicam as dietas, ao exercício físico, rendendo-se à toxina botulínica e as inúmeras cirurgias plásticas tentando lutar contra a finitude. Outros em contrapartida aceitam essa condição da existência tão bem descrita por Hipócrates no famoso aforismo: “A arte é longa, a vida é breve, a experiência enganosa, a oportunidade é fugaz e o julgamento é difícil”.
Independentemente do grupo em que se enquadra o sujeito, a perda, a morte e o cemitério aparecerão em sua vida, mesmo que tardem. Para muitos esse momento aliou-se à paixão pela pesquisa tornando essas pessoas pesquisadoras de cemitérios. Mesmo contando com poucos pesquisadores no Brasil, a pesquisa cemiterial cresce e começa a assumir conotação de ciência no que se refere à publicação e congressos.
A temática abrange inúmeras áreas do saber, dentre elas a teologia, a história, a arte, a economia, a sociologia, a medicina...
Quando se menciona a medicina muitos sequer conseguem fazer uma possível relação. Sendo assim, faz-se necessário elucidar tal aspecto. E, para tal, faz-se uso das publicações: “Onde a morte socorre a vida”, “Lápide e memória” e “Luto Roubado”.
No artigo “Onde a morte socorre a vida” o cemitério é tido como o lugar onde se abriga a morte, e a morte abrigada se compraz em socorrer a vida. Socorrer a vida ao promover a saúde ajudando o humano a lidar com a efemeridade e com suas limitações. E, socorrer a vida de forma holística, pois institui uma forma de lidar com a morte por promover efetivamente a saúde nos âmbitos: corpóreo, psíquico, público e espiritual. No âmbito corpóreo devido ao fato de o cemitério ser o último cuidado destinado ao corpo. No âmbito psíquico por permitir ao indivíduo a elaboração do processo de luto. No âmbito público por se tratar de uma medida de saúde pública evitando epidemias. No âmbito espiritual propiciando o mito, o rito e a simbolização da morte. Considera-se, portanto que o surgimento do cemitério e sua perpetuação na história se devem ao fato de ser um agente promotor de saúde em diversos âmbitos.
No intitulado “Lápide e memória” existe um novo modelo para a educação médica ao associar lápides com neurociência, pois elucida o processo evolutivo neuronal por meio do exemplo da lápide e de suas funções no decorrer da história. Não há quem questione o fato de a memória possuir uma importante posição na sociedade atual, não só por consolidar o conhecimento, mas também por fornecer ao indivíduo evocações de fatos que faz com que ele consolide sua história e delimite seus hábitos.
Há aspectos importantes no mecanismo da memória e no seu desenvolvimento e ampliação no decorrer da história. Um marco no senso de existência e busca por historicidade evidencia-se com o surgimento da lápide completada pelo epitáfio. A lápide assume uma conotação não apenas de construção, mas também simbólica sendo uma evidência da evolução do SNC e no uso atribuído aos centros neuronais, que por necessidade afetiva e social se desenvolvem e culminam em outros progressos para a humanidade.
No terceiro artigo: “Luto Roubado” estuda-se as interferências do modelo estético cemiterial em relação ao processo de luto, considerando que além da função de agente promotor da saúde pública no campo biológico, o cemitério possui conotações simbólicas que lhe conferem a capacidade de promover saúde psíquica, pois, por meio dos ritos e da estrutura física do local o sujeito que perdeu um ente, simboliza sua perda, permitindo o processo fisiológico de luto. O que impossibilita a instalação de algumas psicopatologias decorrentes de um luto não cumprido devidamente.
Descreve a mudança da estrutura física do cemitério para o modelo de parque constatando que tal modelo altera o processo de luto natural, pois ao negar a dor da perda por meio da supressão de elementos simbólicos gera no sujeito culpa por ser impotente diante da morte aumentando a propensão para a depressão.
Segundo Marcelina de Almeida: “E assim os cemitérios refletem esta nova sensibilidade no tratamento das questões que envolvem a morte: o culto aos mortos, a evocação da memória, a eternidade. O desejo de imortalidade é traduzido através da construção de marcos de memória, as sepulturas revelam-se como um sonho de perenidade”.
Na antiguidade os médicos eram curandeiros, bruxos, sábios que se ocupavam das áreas do saber relacionadas à existência. Hoje com a supervalorização da especialização o profissional torna-se a cada dia mais fragilizado no que tange à consolidação da cultura do indivíduo fato que certamente influencia na prática clínica, no trato com o doente, no trato com o outro. E se o ato médico ainda não foi definido uma das causas se relaciona a dificuldade de delimitar o que é cuidar do outro. Onde existe o outro, existe uma história, a memória dessa história, uma história singular que constrói a história da humanidade. Nas palavras de Pierre de Bouchard: L’histoire de l’humanité peut s’ecrire á l’aide des seuls tombeaux.

Mayra Lopes de Almeida Reis.

Publicado em 20/10/2008

http://www.aisi.edu.br/he/index.asp?p=artigos&codigo=840

Genética Médica

Muito se tem discutido sobre liberação de pesquisas com embriões, células-tronco, clonagem e sobre a ética dos procedimentos relacionados à genética. Porém, a ciência que tem a ética no nome tem deixado a desejar no que diz respeito a aplicações da mesma.
Tal deficiência inicia-se ainda no período universitário, que em geral ensina os alunos a se preocuparem mais com as notas baixas na disciplina do que com a intensidade das dores que as malformações podem gerar nas vidas dos seus futuros pacientes. Mas o assassinato da ética não pára por aí, alcança os cientistas que perderam o sublime ideal de descobrir algo que seja um bem para a humanidade em proveito de uma busca científica objetivando apenas imortalizar o nome do pesquisador (supondo que este batizará a descoberta), que visa à comercialização da mesma ou a quantia que acompanha o Prêmio Nobel.
Quando Alfred Nobel, criador desse prêmio, redigiu o testamento deixando parte de sua fortuna aos vencedores, causou ceticismo e crítica por seu espírito internacionalista (pois não restringiu o prêmio aos seus compatriotas). Nobel, que viu a falência de seus pais, tornou-se posteriormente um renomado industrial e incentivador das artes, dedicou a maior parte de seu volumoso patrimônio à formação de um fundo que financiaria um prêmio anual para pesquisas e descobertas. Imaginava criar um prêmio para honrar pessoas que dedicaram seu tempo e sua vida em nome de um “amor universal”. Mas hoje, até os assassinos do Oriente Médio, em meio a pseudodiplomatas, ganham o Nobel da Paz. O prêmio tornou-se uma comenda negociada politicamente.
Hoje, vidas e sonhos são negociados politicamente. E alguns vêm discutir ética, genética. Não se humaniza um lugar colocando bichinhos pintados na pediatria, jalecos coloridos. Humanizar, alegrar, como? Se, ao achar graça em milagres diários como respirar, acertar e, por que não, errar, somos tachados de loucos...
“Sem a loucura, o que é o homem mais do que a besta sadia, cadáver adiado que procria?” (Fernando Pessoa).
A ciência não é desumana, os homens é que a estão fazendo sim. São indivíduos que discutem a implicação das mutações e chegam à conclusão comicamente humanitária e pragmática de que as mutações germinativas são mais importantes que as somáticas porque são transmitidas para gerações futuras (enquanto as somáticas, não).
Será que ninguém mais estudou Napoleão, Hitler, Einstein?
Será que ninguém mais leu “Ilíada” e “Odisséia”, obras de um escritor cego, Homero?
Será que ninguém mais compra CDs de Andrea Bocelli, o cantor que encena, joga xadrez, anda a cavalo e é cego?
Se malformações fossem uma real limitação, existiria na humanidade um compositor surdo?
Refuto as palavras e as prioridades dos “doutores da genética”.
O ser humano é “muito” perante a humanidade, porque ele pode alterar o rumo das civilizações enquanto o seu destino se manifesta.
Embora limitados fisicamente, nossas mentes são livres para explorar o universo até os maus sonhos permitirem. Assim como o físico Stephen Hawking que, mesmo sofrendo de esclerose lateral amiotrófica, tornou-se um ícone da física.
Digo que devemos, sim, dar a devida importância às mutações somáticas porque atingem homens e os descendentes indiretamente. Afinal, a humanidade é composta pelo gênero humano e uma herança é bem mais que um patrimônio econômico-financeiro ou um conjunto de proteínas. São valores da alma.
A questão ética polêmica preocupante está além de abordar o que faremos e/ou usaremos para atingir a perfeição e a imortalidade. Não é também se conseguiremos chegar até lá.
O que preocupa é: qual a graça de uma vida onde as conseqüências podem ser burladas? Como existirá prazer sem dor, vida sem morte? O que faremos com a perfeição? Será que a mente de Hawking seria tão livre, tão brilhante se seu corpo não fosse aprisionado pela doença?
O “Admirável Mundo Novo” vale a pena? Nele não há amor. Segundo Platão, o amor é característica fundamental dos seres imperfeitos, uma vez que consiste no único caminho da perfeição. Caminho em que nos ocupamos em cuidar do próximo, como continuidade de nós mesmos.
Ser humano não é aparentar agradabilidade, é respeitar limitações, é conviver com as diferenças que não são boas nem más, apenas diferenças. Um tratamento humanitário não esconde os sinais, alivia os sintomas; o sucesso médico não consiste em curar as síndromes que “poderiam existir em cada um de nós”, mas em CUIDAR das diferenças que nos causam dor e existem em todos nós.
Mayra Lopes de Almeida Reis.
Publicada em 25/04/2005

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Simbologia Médica

Bastão de Asclépio / Bastão de Hermes


O símbolo evoca, representa ou substitui algo abstrato e ausente, como uma insígnia que nada mais é que um sinal distintivo de função, dignidade e nobreza. O poder do símbolo consiste exatamente no fato de sua existência conter um paradoxo, pois, vulgarmente, pode ser considerado a presença do ausente; Um ausente idealizado que tentamos alcançar.
E, apesar de existirem pessoas que se iludem afirmando que pouco se importam com a simbologia, tal discurso nada mais é do que a presença da ausência de crenças e de análises.A comunicação humana acontece de forma simbólica, com palavras e letras que expressam sentimentos e idéias para representar o que entendemos por "realidade". Todo "ponto de vista" é sempre uma observação pessoal e subjetiva de "um ponto" que tentamos tornar coletiva, "real". Sendo assim, considero importante alertar os estudantes a respeito do único e verdadeiro símbolo da medicina: o bastão de Asclépio; com uma só serpente circundando um bastão tosco (tal qual veio da natureza).
Na mitologia grega, Asclépio é filho da ninfa Coronis. Foi criado pelo centauro Quiron, que lhe ensinou o uso das plantas medicinais. Não só curava, mas por ser filho do Deus Apolo, ressuscitava mortos, ultrapassando os limites da medicina. Tal causa fez com que ele fosse fulminado por Zeus. Após a morte tornou-se Deus da medicina.
O bastão, apoio para as caminhadas, evoca o fato do verdadeiro médico atender em localidades onde se faz necessário, não apenas em regiões de maior comodidade, ou melhor retorno financeiro. Remete ao cetro dos reis ou báculo dos bispos indicando poder; o poder do conhecimento de curar; com referências mágicas, remete à vara de Moisés que é o caminho da interseção divina. Representa ainda, a árvore da vida, com seu ciclo de morte e nascimento, com os quais o médico lida diariamente.
Em relação à serpente, desde o princípio dos tempos simboliza o bem e o mal, e portanto, a saúde e a doença; o rejuvenescimento pela troca de pele; da essência do "remédio", pois é a dosagem que torna o veneno um antídoto. Vivendo no interior da terra, estabelece comunicação entre o mundo subterrâneo e a superfície, entre o mundo dos vivos e dos mortos. Outro símbolo, usado erroneamente para representar as ciências médicas é o caduceu de Hermes.
Hermes tinha a capacidade de se deslocar com a velocidade do pensamento, tornou-se o mensageiro do Olimpo e o deus dos viajantes, das estradas e do comércio, já que este, na antiguidade, era feito por ambulantes. Outra tarefa a ele atribuída era a de transportar os mortos aos domínios de Hades.
O caduceu consiste em um bastão trabalhado com duas serpentes espiraladas simetricamente e opostas, com duas asas na extremidade superior.
Apesar de ser símbolo do comércio e de escritórios de contabilidade, foi introduzido nas ciências médicas, inicialmente nos E.U.A., por empresas que oferecem planos de saúde, implicando o mecanismo de compra e venda do serviço médico.
Talvez tais explicações pareçam sem propósito, mas a medicina só se permitiu ser representada pelo símbolo do comércio devido ao seu afastamento dos preceitos divinos e sua aproximação com o caráter comercial. Não se pode esquecer que um mero diploma não torna ninguém médico. Um médico nasce médico na honestidade, na caridade e no sigilo. Sua honra é a garantia de seu empenho para um diagnóstico que auxilie na cura e na manutenção da saúde; no alívio dos sofrimentos.
Quando um símbolo sagrado torna-se comercial quando o paciente deixa de confiar no tratamento e passa a considerar a consulta como um meio de conseguir um pedido de exame; quando o paciente não confia no diagnóstico clínico e busca apenas um encaminhamento para a perícia visando aposentar-se; ou, o que é pior, quando a consulta, ato sagrado, se transforma em um procedimento burocrático, uma compra de receita ou atestado, uma busca pela aquisição medicamentosa realizada por pessoas descrentes e hipocondríacas, a humanidade torna-se mais enferma. Mas sequer podemos culpar essas pessoas, afinal, quando os médicos passam a ser representados pelo comércio e a se comportarem como "homens de negócio", a quem os pacientes recorrem para suportar tantas enfermidades, tantas dores?



Mayra L. de Almeida Reis
Publicada em 18/09/2004
Impresso Especial: CONT. n. 7317288701