terça-feira, 20 de dezembro de 2011

PROFETAS: PATRIMONIO DA HUMANIDADE

Mas os que esperam no Senhor renovarão as forças,

subirão com asas como águias;


correrão, e não se cansarão;


caminharão, e não se fatigarão.


Isaias 40:31



Nas terras de Minas, há uma cidade denominada Congonhas, onde há o morro do Maranhão, local no qual o português Feliciano Mendes, na segunda metade do século XVIII, fincou uma cruz e iniciou a construção do Santuário dedicado ao Senhor Bom Jesus de Matozinhos em agradecimento por ter sua saúde, outrora perdida em na exploração das jazidas, restituída.


A obra, segundo arquivos históricos, teve início em 1757, sendo a igreja findada dois anos depois. Os fundos arrecadados para a obra provinham de donativos.


Não foram encontrados registros da planta do santuário, mas especula-se que o mesmo foi inspirado no ‘Santuário do Bom Jesus do Monte’, na cidade de Braga, norte de Portugal, retratada abaixo:


O ‘Santuário do Bom Jesus do Monte’, construído no período compreendido entre 06/1784–1822 possui uma grande igreja ao alto e uma escadaria significativa com a presença de capelas laterais, que se assemelha muito com o conjunto arquitetônico do ‘Santuário do Bom Jesus de Matozinhos’.


A construção de Congonhas é inspirada no ‘Santuário do Bom Jesus de Matozinhos’, porém, não menos bela. E pode ser visualizada na fotografia abaixo:


O primeiro ermitão de Congonhas do Campo era "oficial de pedreiro", profissão mencionada em seu termo de entrada para a Ordem terceira de São Francisco de Vila Rica, em 11 de janeiro de 1760. A morte o surpreendeu, em Antônio Pereira, a 23 de setembro de 1765, sem ter ainda terminado a sua igreja, que tinha até então três altares. Sobre o altar-mor, a imagem do Senhor crucificado vinha de Portugal e deixava paga a promessa que inspirou a construção do projeto arquitetônico. As obras do Santuário foram crescendo com o tempo e com o precioso trabalho dos melhores artistas da época.


Importantes representantes da arte brasileira deixaram lá suas obras: Manoel da Costa Ataydes, Francisco Xavier Carneiro e Aleijadinho.


Antônio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho foi escultor, entalhador e arquiteto no período colonial. Era filho natural do mestre de obras português Antônio Francisco Lisboa e sua escrava Isabel, e foi alforriado pelo seu pai e senhor na ocasião de seu batismo. Trabalhava como profissional autônomo e por ser mulato muitas vezes foi obrigado a aceitar contratos como artesão diarista e não como mestre. Suas obras não possuem documentação comprobatória de autoria, sendo-lhes atribuídas devido à semelhança estilística com sua produção. Não recebeu nada após a morte do seu pai, por ser filho bastardo. Teve um filho que se tornou artesão. O recibo assinado por Aleijadinho quando recebeu o pagamento pela produção dos profetas encontra-se no Museu da Inconfidência em Ouro Preto. Entre 1807 e 1809 devido a sua saúde débil encerrou suas atividades em sua oficina, mas depois disso ainda realizou alguns trabalhos. Faleceu aos 76 anos e foi sepultado na Matriz de Antônio Dias, junto ao altar de Nossa Senhora da Boa Morte.


Poucos são os registros acerca da sua vida pessoal, cita-se apenas que gostava de danças vulgares e da boa mesa. Trabalhava sempre sob o regime da encomenda ganhando meia oitava de ouro por dia. Não acumulou fortuna, pois era descuidado com o dinheiro tendo sido roubado várias vezes, e fazia ainda repetidas doações aos pobres.


Bretas o descreve como: "Era pardo-escuro, tinha voz forte, a fala arrebatada, e o gênio agastado: a estatura era baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça redondos, e esta volumosa, o cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto, a testa larga, o nariz regular e algum tanto pontiagudo, os beiços grossos, as orelhas grandes, e o pescoço curto.”


Diversos diagnósticos tentam explicar atualmente a sua doença: hanseníase (improvável uma vez que não foi excluído do convívio social), reumatismo deformante, sífilis, escorbuto, trumas físicos consequentes de quedas, artrite reumatóide, poliomielite, porfiria.


A deformidade física afetou Aleijadinho de modo que o mesmo tornou-se verbalmente agressivo e considera-se elogios a suas obras como ironia.


No que tange a doença, sintetizou Gomes Junior: "No Brasil o Aleijadinho não teria escapado a essa representação coletiva que circunda a figura do artista. O relato da parteira Joana Lopes, uma mulher do povo que serviu de base tanto para as histórias que corriam de boca em boca quanto para o trabalho de biógrafos e historiadores, fez de Antônio Francisco Lisboa o protótipo do gênio amaldiçoado pela doença. Obscurece-se sua formação para fixar a ideia do gênio inculto; realça-se sua condição de mulato para dar relevo às suas realizações no seio de uma comunidade escravocrata; apaga-se por completo a natureza coletiva do trabalho artístico para que o indivíduo assuma uma feição demiúrgica; amplia-se o efeito da doença para que fique nítido o esforço sobre-humano de sua obra e para que o belo ganhe realce na moldura da lepra.”


Ainda em 1796 a caligrafia de Aleijadinho era firme apesar da doença. Mas a única certeza que se pode ter acerca do gênio que delineou os profetas em pedra sabão é que as informações são muitas e duvidosas.


A história do escultor dos profetas nos permite interpretar a vida da obra, pois nenhuma obra de arte pode ser desvinculada de seu contexto, pois a natureza da arte é universalista, social, cultural.


O catolicismo, entendendo a força da arte, encomendou os profetas. "A arte pode seduzir a alma, perturbá-la e encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão; que isso se faça em benefício da fé"'.


Bazin captou a essência do processo dizendo que "a religião foi o grande princípio de unidade no Brasil. Ela impôs às diversas raças aqui misturadas, trazendo cada uma um universo psíquico diferente, um mundo de representações mentais básico, que facilmente se superpôs ao mundo pagão, no caso dos índios e dos negros, através da hagiografia, tão adequada para abrir caminho ao cristianismo aos oriundos do politeísmo".


Mário de Andrade, escreveu sobre o barroco "… o artista vagou pelo mundo. Reinventou o mundo. O Aleijadinho lembra tudo! Evoca os primitivos italianos, esboça o Renascimento, toca o Gótico, às vezes é quase francês, quase sempre muito germânico, é espanhol em seu realismo místico. Uma enorme irregularidade cosmopolita, que o teria conduzido a algo irremediavelmente diletante se não fosse a força de sua convicção impressa em suas obras imortais".


Os profetas são a principal obra de Aleijadinho e constituem uma das séries mais completas de representação dos profetas na arte cristã ocidental.


Estão presentes os quatro principais profetas do Antigo Testamento: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. E, oito profetas menores escolhidos segundo a importancia estabelecida na ordem do canon bíblico: Baruc, Oseias, Jonas, Joel, Abdias, Amós, Naum e Habacuc.


Muitos atribuem a proporção distorcida das imagens à doença do escultor, mas há correntes que defendem que a mudança das propoções é intencional objetivando compensar a deformidade advinda do ponto do observador que é muito baixo em relação à obra.


O conjunto apresenta gestos e significados simbólicos relacionados ao carater profético expresso:


1. Apenas Isaias e Naum aparecem como idosos.


2. Todos trajam túnicas decoradas, salvo Amós (pastor).


3. Daniel, com o leão a seus pés.


O escultor tinha relação com Cláudio Manoel da Costa, e há correntes que defendem que cada profeta representa um inconfidente.


Há símbolos maçonicos em sua obra, mas seus profetas não são barrocos, são bíblicos.


Segundo John Bury: "Os Profetas do Aleijadinho são obras-primas, e isso em três aspectos distintos: arquitetonicamente, enquanto grupo; individualmente, como obras escultóricas, e psicologicamente, como estudo de personagens que representa. Desde este último ponto de vista, elas são … as esculturas mais satisfatórias de personagens do Antigo Testamento que jamais foram executadas, com exceção do Moisés de Michelangelo.”


Os profetas guardam a entrada e no interior da capela do santuário está o altar mor contendo as imagens do Coração de Jesus, Nossa Senhora de Lourdes e São José.


Depois da profecia a promessa cumprida, o altar.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Π ρ o φ ή τ η ς

"Assim será a palavra que sair da minha boca;

não voltará para mim vazia." - Is. 55:11








Praça da Lira - São João Del Rei - MG




Desde o princípio dos tempos o ser humano procura ordálios, jogos de azar, atribuindo a eles um agente sobrenatural controlador, preditivos da vontade divina. Tais práticas existentes na antiga Israel são citadas na Bíblia, logo, existiam:


1. José tinha uma taça pela qual adivinhava, observadno as formas assumidas pelos edimentos do vinho (Gn 44:5).


2. Gideão pediu e exigiu o sinal do novelo seco no chão úmido e do novelo úmidpo no chão seco (Jz 6:36).


3. Davi ouviu o estrondo da marcha de um exército invisível pelas copas das amoreiras (IISm 5:24).


4. Urim e Tumim eram instrumentos de advinhação oficialmente usados no sacerdócio.


5. Quando Deus não responde a Saul em sonho, nem em Urim, nem por profetas, o rei recorreu à necromante Endor (Lv 8:8; Nm 27:21; I Sm 28:6; Ed 2:63).


6. Em Deuteronômios lê-se: "Não se achará em ti... nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoreiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor" (Dt 18: 10-12).


Tais práticas eram familiares em Israel até no período profético, mas eram expressamente repudiadas pelos profetas como estranhas ao gênero e espírito de sua religião.


O termo profeta pode significar 'pessoa que é capaz de predizer acontecimentos futuros'; ou ainda uma pessoa que fala por inspiração divina em nome de Deus.


Aos falsos profetas aplicava-se a pena de morte, na Lei Moisaica.


O livro do Antigo Testamento, revela antes de serem comumente chamados profetas, tais pessoas eram chamados de videntes. (I Samuel 9:9) É um nome sugestivo que descrevia as pessoas a quem Deus revelava os acontecimentos futuros, por meios de sonhos, visões ou aparições de anjos. Eram escolhidos por Deus e tinham enorme autoridade religiosa e influência. Normalmente, eles eram tidos como conselheiros e instrutores da Lei de Deus.


O profeta é uma figura chave em muitas religiões: judaísmo, cristianismo, islamismo, fé bahá'í e outras.


Para o judaísmo e para o cristianismo, há vários profetas, conforme o Antigo Testamento (AT) e o Novo Testamento.


Segundo o conceito do cristianismo, o profeta é porta voz de Deus nas horas de crise moral, apontando o caminho. A matéria prima de seu trabalho é a palavra. E o profeta profere: "Este é o caminho, andai nele" (Is 30:21). O profeta não tem saber secreto e habilidade divinatória. Ele só pode falar quando Deus lhe dá uma palavra e não pode deixar de falar quando Deus manda.


A Bíblia reconhece a profecia como um meio de comunicação divina: “Deus falou aos homens.” (Hb.1:1) e estes se tornaram comunicadores da vontade revelada de Javé. Quando Deus quer falar ao homem Ele usa o profeta.


Quando o homem quer se aproximar de Deus, ele usa o Sacerdote.


No AT três palavras são usadas para definir o profeta:


1. VIDENTE (roeh ou hozen): pessoa com capacidade de perceber as coisas do ponto de vista de Deus. O termo ro'eh pode ser traduzido por adivinho. Hosen significa "O que vê e tem percepção sobrenatural" (Ex 24:9-11), seja por visão, audição...


2. Homem de Deus: apto e separado para transmitir os oráculos de Deus.


3. Profeta: do hebraico 'Nabbi' (proclamador). Do grego profetes.


Até Samuel, os profetas foram chamados de 'videntes’ ( Hebr. Roeh, I Sm.9:9 ou Hozen, II Sm.24:11).


Na Bíblia, a revelação profética se dá de duas formas:


REVELAÇÃO MEDIATA: sonhos, visões, urim.


REVELAÇÃO IMEDIATA: inspiração da palavra.


Em geral, os profetas possuem duas características, dependendo do contexto (II Sm 24:11). As visões do vidente não lhe vinham apenas em sonhos durante o sono, mas também na 'visão interior' do transe estático. o que é exemplificado por Balaão (Nm 24:3-4, 15-17): "O homem de olhos abertos que tem a visão do Todo Poderoso".


A literatura profética pode ser dividida de várias maneiras.


Segundo o cristianismo os profetas são divididos em maiores e menores de acordo com análise quantitativa de seus escritos. Sendo, profetas maiores: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel. E, os doze menores: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias, cabendo observar que o Livro de Baruc, que é relacionado entre os livros proféticos na Septuaginta, nas Bíblia adotadas pela Igreja Católica e pelas Igrejas Ortodoxas, é Deuterocanônico, ou seja, não constam na Bíblia Hebraica e não são aceitos pelas Igrejas que adotam a Bíblis proposta por Lutero.



Por sua vez, a Bíblia Hebraica agrupa os livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os dos doze profetas sob o título de "Profetas Posteriores" e os coloca após os "Profetas Anteriores": (Josué, Juízes, I Samuel, II Samuel, I Reis, II Reis), enquanto que a Septuaginta (tradução do AT para o grego koiné, cuja a estrutura é utilizada por maior parte das Igrejas Cristãs) apresenta os livros proféticos depois dos Livros históricos, destacando-se que a Bíblia Hebraica não incluí o Lamentações e Daniel entre os "Profetas Posteriores", mas entre os "Escritos".


A história é para os profetas uma área de livre e intencional vontade de Javé. O bem e o mal não são pré-determinados nem sobrevém por acaso.


O profeta com a palavra de Javé que lhe foi dada põe em movimento os processos da história, situação exemplificada por Jeremias, quando o mesmo colocava as pedras que haviam de ser o alicerce sobre o qual o trono de um futuro conquistador seria erguido: “então veio a palavra do Senhor a Jeremias em Tafnes dizendo: Toma contigo pedras grandes, encaixa-as na argamassa do pavimento que está à entrada da casa de faraó em Tafnes, á vista de homens judeus” Jr 43:8-9.


Profetas, no contexto bíblico são homens escolhidos por Deus como intermediários da ação de Deus na história, não apenas como adoradores, mas como o eco das palavras do Criador no coração dos homens.


A difícil missão dos profetas consistia em conferir esperança em tempos difíceis e manter o povo na retidão lembrando as agruras da condição humana nos tempos de prosperidade. O que pode ser constatado nos trechos selecionados: Esperança - “paz, paz quando não há paz” Jr 6:14. Mostrando o que estava torto e passando o prumo – “Põe em ordem a tua casa porque morrerás e não viverás” (Is 38:1).


O profeta exerce um papel diplomático no que tange ao equilíbrio social. Devido à confiança nos desígnios de Deus, enfrentaram ousadamente o poder dos reis, os anátemas dos sacerdotes e a fúria.


Os autênticos profetas consistem em uma sucessão de homens incorruptíveis, chamados hereges e traidores por seus contemporâneos.


Corriam constante perigo e alguns deles não escaparam com vida. Jesus menciona que Jerusalém: “matas os profetas, e apedrejas os que te foram enviados”. Mt.23:37.


Os profetas, de um modo geral, têm um perfil similar no que se refere ao fato de terem se levantado junto ao povo, de serem destemidos, vigilantes e comedidos no falar.


Homens preocupados com as condições sociais e as questões públicas, denotando que por trás da crise social, econômica ou de segurança nacional, encontra-se uma crise espiritual prévia.


O profeta não consistia em mero preditor do futuro, ele cria o futuro falando com Deus. A palavra do profeta é perigosa porque ela tem a capacidade de moldar o futuro. Está de acordo com o pensamento hebraico da criação pela palavra.


São formas literárias utilizadas na profecia: parábolas (Is 5:1-2), alegoria (Os. 12:10), elegias (Is 1;21-23), lamento (Am 5:1-3), cantiga de desdém (Is 37: 22-29), orações (Jr 14: 7-9 , Jn. 2:2-9), epístolas (Jr 29), discurso sapiencial ( Is 28; 23-29), atos simbólicos ( Is 20: 1-6, Ez 5:1-4), sarcasmos ( Is 22:17-18), visões ( Jer.1:11-13 , Am.7:1-9), hinos ( Is. 12:1-6 ).


O mais belo na literatura profética é que delineia indivíduos comprometidos com o próximo que não perderam o elã pelo justo, pela retidão. Profetas são o prumo.


Funcionam como cordas de uma lira, pois apesar da condição de criatura que precisa se religar ao Criador vibram em harmonia com as palavras do criador para contribuir para com a justiça entre os homens.