quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Mortos da web

Diversas comunidades se dedicam a encontrar e divulgar perfis de mortos. As mais conhecidos são PGM (Profiles de Gente Morta) e Mortos do Orkut, a última criada pelo produtor cultural gaúcho André deMoraes, 34. André teve a idéia junto com um amigo que depois morreu assassinado em um assalto. “A morte, a única certeza que temos na vida, faz parte da natureza, e encará-la com pesar ou negá-la, como faz a maioria das religiões, é tolice. A morte é tão natural quanto o nascimento”, diz André.
Enquanto muitos usam o site para consolar e ser consolado, outros entram nas páginas dos mortos só para xeretar. Como o Orkut é formado em sua maioria por jovens, normalmente as mortes são de maneira violenta. Existe um certo fascínio em temas tabus como suicídio e desastres. A freqüência nas comunidades aumenta com casos como o de Eloá Cristina Pimentel, 15, assassinada por Lindemberg Alves Fernandes, 22, e das tragédias aéreas como os acidentes da TAM, em 2007, e da Gol, em 2006.
“O Orkut no Brasil é o equivalente àqueles caixotes que as pessoas colocam nas praças para subir e falar, é o parlatório dos brasileiros conectados. Entre todas as taras e delícias, entre os serviços e as perversões, está a morbidez. O brasileiro adora parar o carro para ver acidente. Não é uma coisa do Orkut, mas do ser humano, que tem atração pelo mistério da morte”, explica a blogueira e apresentadora de TV Rosana Hermann. Autora do Querido Leitor, um dos blogs mais lidos do País, Rosana diz que ainda precisa combinar com alguém para postar seu epitáfio. “Quero que escrevam em minha lápide também no meu blog o seguinte: "Era só o que me faltava!”
POLÊMICA
Há participantes do Orkut favoráveis e outros contrários à existência de perfis póstumos. A historiadora Jane Cassol, 43, está do lado daqueles que desejam permanecer no site depois de morrer. “Não vou dar minha senha a ninguém, portanto pelo menos no Orkut permanecerei”, planeja. Na descrição da comunidade criada por ela, "Se Eu Morrer, Meu Orkut Fica", uma pitada de humor negro: “Porque sou mortal, mas meu Orkut é eterno”, anuncia. “Queremos continuar na rede, receber recados, spans e mensagens. Continuaremos a acessar do além ou seja lá de onde estivermos”, explica.
Para Jane, continuar no site depois de morta significaria uma nova etapa, a morte virtual. “Entendo os recados aos mortos da rede como uma homenagem, um jeito de expressar o sentimento. É possível sanar um pouco a nossa perda através de um recadinho”, defende. A pesquisadora Mariana Matosconcorda com as idéias de Jane. “A tecnologia permite a expressão de sentimentos que a sociedade não tolera bem. Quando uma pessoa perde alguém próximo, há sempre uma tendência de se dizer a ela para pensarem outra coisa,como se a tristeza pudesse ser desligada ou esquecida. Isso não é bom para o processo de elaboração do luto, e o enlutado tende a se sentir sozinho. Recorrer ao Orkut me parece um modo de reverter isso. Lá, pode-se falar dos sentimentos, da saudade sentida, lamentar a morte.”
É como se o mural de recados funcionasse como uma ponte para o outro mundo, um túmulo virtual onde pode-se comunicar e ter contato com o morto.
Para evitar que seu perfil se transforme nesta ponte, o designer Leonardo Passos, 25, resolveu criara comunidade "Se eu Morrer, Apague Meu Orkut". “Estava conversando com amigos sobre pessoas que visitavam perfis de mortos e ficavam deixando mensagens como se elas fossem ser lidas pelo morto. Como isso parece muito bizarro, resolvi fazer a comunidade”, conta o rapaz, que já confiou sua senha e o desejo de ver seu perfil apagado assim que partir.
Esquisito, bizarro e mórbido mesmo são alguns adjetivos que Leonardo usa para descrever essa prática. “Acho que homenagens a pessoas queridas que morreram podem ser feitas de outra maneira. Ou não! Talvez eu que esteja errado e isso seja legal”, confessa. A única certeza é que a morte chega, sim, ao Orkut, como explica a pesquisadora Mariana Passos.“Mesmo que o perfil continue ativo, isso não quer dizer que ninguém morre no Orkut. Basta entrar no mural de recados que rapidamente identificamos que a pessoa está morta. O perfil pode permanecer exatamente igual, mas o teor das mensagens é muito diferente daquelas encontradas em perfis de pessoas que estão vivas”.
Um perfil do Orkut que não responde é parecido com o corpo inerte de um morto,compara a pesquisadora membro da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC), Mayra Lopes. "A vida virtual implica em um pouco mais que um endereço de e-mail, é necessária a mão que digita. Também o virtual sem a alma que o anima e que se interrelaciona tende a desmoronar. Não ouso considerar, portanto, que não existe morte virtual só porque uma página permanece. Assim como não considero vida o esqueleto que outrora foi um ser. Talvez, se a página ficar, ela se assemelhará aos ossos, ao túmulo” explica.
Pelo visto a morte continua sendo o único mal irremediável.
Renato Queiroz.
Jornal: "O Popular"
02/11/2008

4 comentários:

  1. Eu tenho meus mosrtos no antigo Gazag, e participo de uma comunidade do Orkut (Homenagens póstumas).
    Sua pesquisa sobre Luto Roubado é maravilhosa e, sinceramente, tenho meus web-mortos e me relciono em paz com eles.
    Hoje mesmo, num post no meu blog em homenagem a um poeta paraense recém-falecido, coloquei um texto do Bené Fonteles e acrescentei: "Repasso, na certeza que os deuses saberão re-encaminhá-lo." Quem pode afirmar que não?

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  2. Olá!
    Creio que ainda dentro desta linha de pensamento, seria possível se pensar no suicídio virtual; quando a pessoa deleta o profile, deixa de fazer parte do mundo virtual, passa da existência a não existência, entretanto aqui, pode voltar, se desejar.

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  3. Coloquei um link no meu blog pra tua postagem.

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  4. Muito interessante a abordagem. Eu não quis mais ter o perfil de um amigo que morreu em um acidente. Preferi deletá-lo. Mas continua existindo.

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