teimei demais em dar petróleo à minha terra,
morri um bom pedaço na alma."
Monteiro Lobato
JECA TATU
Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!
Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...
Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher (...) Nada mais.
Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisso vai longe.
Começa na morada.
Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar o João-de-Barro.
Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.
Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem o equilíbrio; inútil, portanto, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam?
Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo?
Seus remotos avós não gozavam de maiores quantidades. Seus netos não meterão a quarta perna no banco. Para quê? Vive-se bem sem isso.
Se pelotas de barro caem, abrindo seteiras na parede, Jeca não se move a repô-las. Ficam pelo resto da vida os buracos abertos, a entremostrarem nesgas de céu.
Quando a palha do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jeca, em vez de remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante...
Remendo... Para quê? Se uma casa dura dez anos e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela?
Esta filosofia economiza reparos.
LOBATO, Monteiro. Urupês. Brasiliense: São Paulo; 1948. 245-6.
legal
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