terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Só mais um desenho...

"O dever de todas as coisas é ser uma felicidade."
Jorge Luís Borges



Depois de uma manhã no hospital deveria ir almoçar, era hora de almoçar, mas não fui.

Mesmo sem ter motivo resolvi entrar no anatômico para uma breve contemplada em algumas estruturas.
Adentrar aquela porta me faz lembrar da primeira vez que tive em um anatômico e de como a anatomia é um amor em minha vida desde então. Lembrando que nem só de um pão vive o homem cruzei o portal.
Grande surpresa foi encontrar o lugar lotado: era véspera da avaliação de cabeça e pescoço.
Um menino com o Gardner de um lado e o cadáver do outro tentava inultimente ler os limites e tentar entender os trígonos do pescoço.
Ao me ver perguntou se eu poderia ajudá-lo.
Respondi que sempre entende-se melhor no silêncio, pedi para que silenciasse por um minuto, deixasse o livro e me acompanhasse.
Peguei o pote de giz, fui para o bom e velho quadro negro que só o anatômico ainda possui.
E, simplesmente fluiu...
A forma com que a musculatura do pescoço é sistematizada é quase uma experiência mística. Existe tanta perfeição que só pode ser contemplada como a mais suave das belezas.
O ser humano é uma criação que jamais terá sua beleza esgotada, nem mesmo pela talha da ciência.
Lá estava a dissecação da musculatura do pescoço desenhada.
Feliz por me lembrar, por riscar com cores idéias que correspondiam a uma realidade anatomica. Fotografar aquele momento já significava muito.
Quem sabe um dia eu ainda fizesse um quadro dos trígonos.
Momentos simples podem ser uma dádiva de encantamento.
Atitudes corriqueiras podem dar sentido ou melhor um sentido todo especial às inúmeras horas de estudo e dedicação anteriormente despendidas sem a justificativa de um porque efetivo.
Mas poucos percebem isso, poucos percebem o quão gratificante pode ser ajudar alguém, mesmo que essa ajuda seja só um desenho.
Mesmo que ao anoitecer o técnico do laboratório apague aqueles traços.
A beleza é tão efêmera quanto um traço de giz que até o vento ajuda a apagar, mas é tão eterna quanto a duração do amor que pode despertar na alma que a contempla.


"Que teia é esta, a do será, do é e do foi?" - Borges

"Parece-me fácil viver sem ódio, coisa que nunca senti.
Mas viver sem amor acho impossível."
Borges.

"A vida é pobre demais para não ser também imortal."
Borges

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