sábado, 17 de julho de 2010

Doutora, a culpa é dos grampos

"As poucas luzes guiam para o erro, muitas, para a verdade. "
Luís XVIII


Uma senhora de 62 anos procura o serviço médico com a queixa de dor abdominal, na ficha da paciente constam inúmeras internações, procedimento cirúrgico de hérnia umbilical há 3 anos com posteriores internações devido a intensa dor abdominal aguda diagnosticada como síndrome do cólon irritado.
Durante consulta, a senhora relata que o diagnóstico feito anteriormente estava errado. Relatou ainda que o problema que possuia era devido ao fato do cirurgião ter “grampeado a sua barriga ao invés de costurar”. Refere presença dos grampos no abdome e teme que os mesmos tenham se enferrujando e acredita que essa possa ser a causa de sua dor.

Nesse momento o raciocínio clínico começa remetendo a médica a um artigo intitulado “O senhor me foi muito bem indicado” escrito por Ricardo Rocha Bastos. No artigo o paciente liga para a casa do médico e o mesmo levanta a suspeita de disfunções psíquicas devido ao comportamento inusitado do paciente; Chegando a finalizar o caso questionando se o comportamento do seu paciente seria: “Produtos de uma mente que se esvai? Lampejos de conexões neuronais desarranjadas? Parte da clínica de uma demência (e daí memantina e rivastigmina?)? Mas não estará havendo rebaixamento da auto-censura desproporcional à perda de memória (que nem parece ocorrer)?”

Será que a senhora apresentava seus primeiro sinais de demência?

Após a realização dos exames imaginológicos, os mesmos foram mostrados para a paciente de forma a convencê-la de que não havia presença de grampos. Após efetuadas prescrições para a síndrome do cólon irritado o caso parecia resolvido.

Mas voltando a sala de consultas a questão dos grampos continuava a incomodar a médica, pois não era a primeira vez que um paciente idoso fazia essa queixa remetendo-a a um procedimento operatório.

Lembrou-se até do caso em que um paciente a escolhera por saber que ela ia costurá-lo ao invés de grampeá-lo.

Será que Jung estava certo e a história era fruto do inconsciente coletivo? Seria só coincidência? Seria uma alucinação comum causada pelo anestésico?

Custava-lhe acreditar que a queixa era infundada ou que se tratavam de pacientes com desordens psiquiátricas.

Lembrou-se de outro artigo de Ricardo no qual ele enumera a essência de uma consulta:

1.
Conhecer aquela pessoa;

2. Entender com precisão o que está acontecendo com ela (mesmo que não se faça um diagnóstico final);

3. Examinar;

4. Definir o estimulo iatrotrópico;

5. Propor ações.

O segundo item não foi resolvido: O que estava acontecendo com ela? De onde viera o grampeador, uma queixa incognoscível e comum a diversos pacientes?

Decidiu então investigar, pegou um grampeador e foi ao centro cirúrgico que estava vazio. Imaginou passo a passo a cirurgia. E, soltava grampos. Chegou a lhe ocorrer que aquilo era ridículo.

No momento em que recapitulava a sutura o grampeador fazia: “TIC TIC”e...

O barulho da trava do porta-agulha se assemelha ao barulho de um grampeador.

No dia seguinte, quando a senhora retornou ela questionou se o barulho que a mesma ouvira durante a cirurgia era aquele. A senhora surpresa disse: Exatamente.

Foi feita uma explanação sobre o porta-agulha, seu uso durante a sutura e acerca de como ele nada se assemelha a um grampeador em função, exceto pelo barulho.

O caso estava resolvido, a senhora finamente entendera o que se passou.

Esse caso terminara, e muitos outros a sua semelhança.

“TIC TIC”, suturado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário será aprovado após moderação.
Obrigada pela contribuição!