domingo, 5 de dezembro de 2010

Considerações acerca do capítulo II: “Frida Kahlo – Trajetória marcada por doenças.”

“Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome.

Cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo, cores.”

Adriana Calcanhoto

Certa vez, ao conhecer um leitor do blog, fui supreendida com a pergunta: “Voce se considera um ‘ser superior’? Por que escreve apenas em terceira pessoa, como se tudo se passasse no mundo e nada em você.”

Respondi que o distanciamento evidenciado pela pronome pessoal usado objetivava a realização de uma análise mais impessoal e portanto mais fidedigna.

Mas hoje é diferente, o segundo capítulo do livro do professor Bezerra tem a temática tão envolvente que me obriga a analisá-lo em primeira pessoa.

A pintura de Frida faz com que eu me lembre de um dia em que minha amiga Lu dava uma aula sobre a artista para dois alunos: Diego e eu. E rimos muito nesse dia, porque enqunto eu me encantava com a vida e com a angústia que a artista embuida de coragem não escondia e vomita em forma de tinta na tela, Diego se assustava com o amor de Frida descrevendo-o como “tão, tão, tão... patológico” e fazendo com que explodissemos em gargalhadas dentro da biblioteca do seminário e evocando o fúria do padre apelidado por nós de “Hein?”, que nos fez lembrar que o silêncio era para ele era mais sagrado que a nossa alegria.

Frida em minha análise é uma artista incrível, porque mais do que levar a beleza ao mundo ela leva em suas pinturas consciência, sua vida ao expectador que acaba por questionar a própria existência, as próprias paixões, a própria dor e capacidade de viver.

Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón (06/07/1907- 13/07/1954) foi uma pintora nascida na casa de seus pais, conhecida como La Casa Azul, em Coyoacán, que naquela época era uma pequena cidade nos arredores da Cidade do México. Era a terceira filha, com duas meia irmãs mais velhas, cresceu em um mundo cercado por mulheres. Durante a maior parte de sua vida se manteve próxima a seu pai.

Para entender as pinturas de Frida Kalho é necessário conhecer a sua vida, sempre marcada por grandes tragédias: aos seis anos contraiu poliomelite, ficando com seqüelas: a lesão em seu pé direito rende-lhe o apelido 'Frida pata de palo' (ou seja, Frida perna de pau). Ela começa a usar calças e depois, longas e exóticas saias, que vieram a ser uma de suas marcas pessoais.

Quando superou essa deficiência um ônibus em que passeava chocou-se contra um bonde gerando a morte de muitos e fratura em três vértebras de Frida, fratura cominutiva da tíbia e fíbula direitas além de múltiplas fraturas na bacia com a presença de uma barra de ferro que atravessou-a entrando pela bacia e saindo pela vagina.

Tal acidente fez a artista ter de usar vários coletes ortopédicos de materiais diferentes, chegando inclusive a pintar alguns deles: 'A Coluna Partida'. Fez várias cirurgias e ficou acamada por um tempo significativo.

Começou a pintar durante a convalescença, pintando a si mesma: "Eu pinto-me porque estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto que conheço melhor".

Sua vida com o marido foi bastante tumultuada. Diego tinha muitas amantes e Frida não ficava atrás, compensava as traições do marido com amantes de ambos os sexos, dentre eles Leon Trotski, com quem veio a morar por algum tempo. Seu marido aceitava bem o seu caso com mulheres, embora não tivesse a mesma aceitação quando se tratava de homens.

Frida descobriu que Diego mantinha um relacionamento com sua irmã mais nova, Cristina que teve 6 filhos. Separam-se, mas em 1940 unem-se novamente, e o segundo casamento foi tão tempestuoso quanto o primeiro. Durante o casamento, embora tenha engravidado mais de uma vez, nunca teve filhos, pois as sequelas do acidente a impossibilitaram de levar uma gestação até o final. Sua maior dor foi a impossibilidade de terminar a gestação, sofreu dois abortos (1929 e 1932).

Seus quadros refletem seus momentos sendo "fortes", porém não eram surrealistas: "Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei minha própria realidade".

Em 1953 a Galeria de Arte Contemporânea organiza uma importante exposição em sua honra. Alguns de seus primeiros trabalhos incluem o Auto-retrato em um vestido de veludo (1926), Retrato de Miguel N. Lira (1927), Retrato de Alicia Galant (1927) e Retrato de minha irmã Cristina (1928).

Depois de algumas tentativas de suicídio com facas e martelos, em 13 de julho de 1954, contraiu uma pneumonia e morreu em 1954 de embolia pulmonar, mas no seu diário a última frase causa dúvidas: "Espero alegremente a saída - e espero nunca mais voltar - Frida". Frida não suportava mais.

Diego Rivera descreveu em sua auto-biografia que o dia da morte de Frida foi o mais trágico de sua vida. Quatro anos após a sua morte, sua casa familiar transformou-se no Museu Frida Kahlo.

Obras associadas à arte médica:

1. ‘Hospital Henry Ford’ ou ‘A Cama Voadora’

- O quadro mostra a pintora no leito do hospital em Detroit.

- Flutuando sobre o leito: feto do sexo masculino, caramujo, modelo anatômico de abdome e de pelve.

-No chão abaixo do leito: pelve óssea, uma flor e autoclave.

-A pelve é um testemunho da causa anatômica da impossibilidade de ser mãe.

-As figuras estão presas na mão em sua mão por intermédio de uma artéria que lembra vasos de um cordão umbilical.

-Lençol ensangüentado.

-Seu corpo é pequeno em relação em relação ao tamanho do leito sugerindo sofrimento (lágrima no olho esquerdo) e solidão.

2. ‘Nascimento’ ou ‘O Meu Nascimento’

- Mediante ao aborto sofrido a artista imagina o próprio parto.

- A cabeça de sua mãe está encoberta, porque sua mãe faleceu no período em que ela pintava o quadro.

3. ‘O Coração’ ou ‘Recordações’

- O grande coração está no chão, seu tamanho é análogo à angústia.

- Retrata o sofrimento quando descobriu que seu marido tinha um caso com sua irmã.

- O curativo no seu pé esquerdo faz alusão a uma ferida que nunca cicatrizou evoluindo para osteomielite e conseqüente amputação.

- Faleceu dois anos após a amputação.

4. ‘Eu A Mamar’ ou ‘A Minha Ama E Eu’

- Frida tinha 11 meses quando sua irmã nasceu.

- Após o nascimento foi entregue a uma ama de leite.

- Retrata a rejeição que sentiu.

- Retrata a frieza da ama de leite ao retirar-lhe a face.

- É possível identificar a glândula mamária e seus ductos.

5. ‘As Duas Fridas’

- Mostra a anatomia do coração.

- Mostra as personalidades de Frida diante da crise conjugal.

- Frida fria e européia e Frida mexicana.

- Corações unidos pela veia braquiocefálica direitas de ambos.

- A Frida européia mostra o coração dilacerado: valvas, músculos papilares, cordas tendíneas.

- Veia subclávia direita está presa por uma pinça que pode ser solta a qualquer momento pela mão direita.

6. ‘Árvore da Esperança’ ou ‘ Mantém-te firme’

- Mostra o sofrimento na noite e a esperança no dia.

- Chão rachado significa a fraqueza de seus ossos.

- Duas incisões: lombar para a osteossíntese vertebral e na crista ilíaca para retirada de enxertia.

- Segura o colete ortopédico que espera abandonar.

- Segura a bandeira que dá nome à obra.

- De 30 cirurgias, 7 foram na coluna.

7. ‘Auto-retrato com o Dr. Farill’

- Foi o médico que operou a coluna de Frida.

- O quadro é uma homenagem.

8. ‘O Marxismo Dará Saúde aos Doentes’

- Mostra o sonho de que o marxismo acabe com a dor que subjuga a humanidade.

- Abandona as muletas embora mantenha o colete ortopédico.

- As mãos do marxismo a envolvem.

- A pomba da paz voa no céu a partir da URSS e da China.

- O mundo dividido aparece à direita.

- À esquerda Marx estrangula Tio Sam.

- Próximo ao livro vermelho vê-se o cogumelo da bomba atômica.

9. Última anotação de seu diário

- Permite a hipótese de suicídio.

Frida, como todo artista mescla o mundo (a realidade), o sonho (as idealizações) e trata de algo universal: a saúde humana a partir da análise da saúde de si mesma.

Vale a pena conhecer sua obra de arte completa para delinear o muito que fica encoberto pelo silêncio inerente à pintura.

Um comentário:

  1. É impossível ser mulher e não se sentir inserida nas dores e agústia de Frida. Sofreu suas dores intensamente realizava suas catarses em artes, trazendo para nós mulheres o conforto e a beleza mesmo sendo considerada uma arte da dor e por muitos sem significado.
    Fico muito feliz em ver sua sensibilidade ao falar sobre Frida, mostrando em você Filha e Mulher com a essência do puro amor.
    Parabéns e beijo.
    A cada dia Te amo mais.
    Cris Lopes

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