domingo, 19 de dezembro de 2010

Considerações acerca do capítulo III: “A Doença na Pintura de Munch”

“A Natureza não é apenas o que o olho pode ver.

Ela mostra também as imagens interiores da alma

- as imagens que ficam do lado de trás dos olhos”

Munch, 1988.

1. A PINTURA DE MUNCH

As postagens relacionadas à pintura têm algo de muito particular. Encantei-me com a capacidade de Munch de transmitir o que se passa na alma humana quando vi a gravura de um dos seus quadros antes de um texto.

Depois de conhecer uma de suas obras realizei um levantamento da vida do pintor e a conheci por completo, e, por sincronicidade da existência reencontrei-o novamente agora no livro do professor Bezerra, pois, as doenças moldaram a maneira de Edvard Munch ver e retratar o mundo.

Munch não só pintou divinamente, mas também foi um expoente de algo que admiro deveras: foi um pintor que denunciou a fragilidade humana retratando a gripe espanhola. Esteve na Alemanha e rompeu com idéia de beleza clássica, mostrando o interior do sujeito, não se atendo a um classicismo que embora belo apresenta-se insuficiente para representar o que há de belo no humano.

Devido a tais características passou por forte decepção na década de 1930 e início da década de 1940 quando o governo nazista ordenou a retirada de todas as obras de arte de Munch dos museus da Alemanha por considerá-las esteticamente imperfeitas e por não valorizar a cultura alemã.

Sua obra ‘A criança doente’ foi vítima de outras críticas indevidas que alegavam que o 'quadro mais parecia um esboço do que uma obra concluída', devido ao fato do uso de tinta bastante diluída. Apesar, e em resultado as críticas, a obra permeada de polêmica se tornou um sucesso. O que levou Munch a partir de 1901 a deliberadamente usar a tinta diluída como modo de expressar em pintura.

A criança doente

- Travesseiro em torno cabeça de sua irmã Sophie vítima de tuberculose pulmonar

- Significa quadrilátero da pureza

- A mesma doença vitimara sua mãe quando ele tinha ainda cinco anos

- A luz brota do travesseiro

Edvard retratou a alma humana colocando-a visível em uma dimensão: o plano. Rompeu com o clássico, focando o sujeito, em uma época na qual a nação era exaltada e o sujeito abandonado. Ora, a nação é composta por sujeitos.

“Somos iguais quando a nossa diferença nos inferioriza e diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.” As pinturas desse grande artista são a expressão viva de tal sentença.

Contemplemo-nas...

2. A VIDA DE MUNCH

“Eu não me desfaria da minha doença, pois há muita coisa em minha arte que devo a ela.” – Munch.

Ele dizia sim a tudo que era problemático, a tudo que era terrível, a tudo que destruía.

Sim ao ciúme, à doença, à morte, à insônia e à febre reumática, que pareciam persegui-lo durante toda a sua vida.

Além das mortes da mãe e da irmã, ele perdeu o pai aos 26 anos e o irmão aos 32. Seu pai tinha constantes crises nervosas e “períodos de ansiedade religiosa que beiravam, às vezes, a insanidade” (Hodin, 1985, p. 11). Seu repúdio à fé cristã surge daqui.

Foi alcoólatra até 1908, quando teve um colapso nervoso.

Dagny Juell, por quem se apaixonou, morreu com um tiro na cabeça disparado por um russo com quem tinha se envolvido e que se suicidou em seguida.

O relacionamento com Tulla Larsen, com quem se envolveu até 1902, terminou com uma cena: ela fingindo suicídio e ele, pensando que o revólver estava descarregado, acabou dando-lhe um tiro, o que causou a perda de movimentos em um dos dedos de sua própria mão.

Em 1919, contraiu a febre amarela, que matou mais gente que a Primeira Grande Guerra.

Em 1926, perde a outra irmã, Laura. Em 1930, sofre uma doença nos olhos.

Não seria justo fazer análises psicológicas sobra a obra de Munch, e muitos críticos já o fizeram, mas faz-se necessário este curto histórico para elucidar que a vida de Munch poderia rapidamente tê-lo levado à loucura ou ao cemitério. Porém, Munch morreu em 1944 com quase 81 anos.

Em um poema que escreveu para seu ‘Auto-retrato no Inferno’(1903), uma imagem com o fundo em tons avermelhados e marrons de onde se destaca seu corpo desnudo, pintado em forte amarelo, ele confessa: “Eu herdei dois dos mais perigosos inimigos da humanidade - a tísica e a insanidade -, doença, loucura e morte foram os anjos negros ao lado de meu berço” (Munch, 1989).

3. ESTILO ARTÍSTICO

“A arte é o oposto da natureza. Uma obra de arte só pode provir do interior do homem” (Munch, 1988).

Abordava temas relacionados aos sentimentos e tragédias humanas (angústia, morte, depressão, saudade). Sua pintura de imagens desfiguradas passa a sensação de angústia e desespero, com forte expressividade no rosto das personagens retratadas. Pintura de figuras marcadas por fortes atitudes.

O artista afirma o seu ser num sonho apolíneo de beleza. Via no bem e no mal, as forças de criação do universo, forças de vida e, por isso, dizia sim à doença, à morte, à dor, à paixão, ao amor, ao sofrimento.

“Estes anos basicamente doentes foram, por outro lado, decisivos para minha vida inteira e para minha perspectiva sobre a vida. Isto não significa, entretanto, que minha arte seja doente como... muita gente acredita. Estas são pessoas que não conhecem a essência da arte nem conhecem a história da arte. Quando eu pinto a doença e o vício isto é, pelo contrário, um desprendimento saudável. É uma reação saudável da qual podemos aprender e viver.” (Munch, 1989).

É comum ver-se em Munch um pintor do desprazer, da doença, da morte, do pessimismo, da solidão, da melancolia e do abandono, propomos aqui uma leitura de Munch no sentido oposto. Para ele, não existe vida sem morte, vida sem doença, felicidade sem abandono, prazer sem separação e, portanto, sem dor e desprazer. Do coração cortado nasce nova vida. Dos corpos sepultados brota a existência. Construir e destruir não são opostos, pois do sangue nasce uma nova planta.

Voltemo-nos para a forma. Munch utilizava-se de maneira muito acentuada de séries, no decorrer de toda sua obra, de maneira mais ou menos explícita. Um mesmo tema era trabalhado durante um mesmo ano, e às vezes, retomado muitos anos depois.

Raras são suas pinturas em exemplar único. Essas novas elaborações eram feitas tanto se utilizando outros óleos, como mudando de meio de trabalho, em gravuras (lito, xilo, metal) ou aquarelas. Não existe nenhuma regra que aqui possa ser estabelecida.

Ele não foi o 'inventor' das séries na pintura. Nem foi o primeiro a utilizá-las exaustivamente.

São famosas as séries pintadas por Monet e as intermináveis 'Nymphées de Cézanne', e 'Os Girassóis de Van Gogh', mas o lugar que ocupam dentro de suas respectivas obras é completamente distinto do dele.

São inúmeras as séries criadas por Munch.

Algumas facilmente identificáveis em virtude das obras terem o mesmo nome: O Grito, A Criança Doente, Puberdade, Angústia, Atração, Vampiro, Beijo, por exemplo.

Outras, onde os temas foram se modificando com o passar dos anos, mas que podem ser vistas como pertencentes ao mesmo grupo: As Fases da Mulher (duas ou três, com ou sem homens, dependendo da época), Fertilidade, Separação, A Voz, Moças na Ponte, Cama da Morte (algumas vezes chamado de Febre ou Luta com a Morte), Morte no Quarto da Doente, todas com alterações mais significativas que as das séries anteriores nos vários elementos que compõem a imagem.

A série Ciúmes se destaca, pois passa pelos dois momentos, com variações bastante significativas nas gravuras de 1896, o que já não ocorre com os óleos. Estes vão variar nas décadas seguintes como nos dois de 1907 e no de 1935/1936.

Em Munch, a existência e criação das séries em nenhum momento passa pelo tempo ou pelas alterações em seus motivos, transformam-se em sistema. Também não são variações sobre o mesmo tema, como poderia pensar o olhar mais desavisado.

4. INFLUÊNCIAS NA PINTURA DE MUNCH

Em linhas gerais foi influenciado por:

A. Christian Krohg

B. Leonardo da Vinci

C. Conviveu com Elisabeth, irmã de Nietzsche.

A. Christian Krohg, pintor, escritor e jornalista norueguês. Inspirado pelos pensamentos dos realistas Christian escolheu motriz primeiramente da vida quotidiana - lados freqüentemente seus mais escuros ou socialmente inferiores. Seus quadros particularmente conhecidos são seus retratos das prostitutas.

A influência se deu em especial pelas obras:

A criança doente

- 1881

- Krohg pintou a doença mortal de sua irmã

- Travesseiro é um quadrilátero de pureza

- Menina se despede da vida

- Olha para o espectador

- Despedaça a flor

- Vida se extingue

Mãe à Cabeceira da Criança Doente

- 1884

- Krohg pintou a doença mortal de sua irmã

- Travesseiro é um quadrilátero de pureza

- Vida se extingue

- Observador avalia a vida se extinguindo

B. Leonardo da Vinci

Influenciado também pela obra “L'Ultima Cena” de Leonardo da Vinci, conforme explicitado pelo quadrilátero da pureza, aqui formado pelo cenário ao fundo.

C. Conviveu com Elisabeth, irmã de Nietzsche.

Munch conheceu a irmã de Nietzsche, Elisabeth, de quem pintou um retrato de corpo inteiro, como afirma Arne Eggum (1984, p. 209).

J.P. Hodin reproduz um diálogo entre Munch e Elisabeth, feito durante a elaboração deste retrato:

“Por que você fala tanto enquanto pinta?”, perguntou ela, sentada à sua frente.

“-Em auto defesa”, respondeu Munch. “Eu construo um tipo de parede entre eu e o modelo, de forma a poder pintar em paz atrás dele. De outra maneira, ele poderia dizer alguma coisa que me confundisse e distraísse”.

5. CÓPIAS DE MUNCH POR MUNCH

“A obra de arte é como um cristal: como o cristal, ela deve ter também uma alma e o poder de brilhar”- Munch, 1988.

O Grito

Passeava com dois amigos ao pôr-do-sol – o céu ficou de súbito vermelho-sangue – eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a mureta– havia sangue e línguas de fogo sobre o azul escuro do fjord e sobre a cidade – os meus amigos continuaram, mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade – e senti o grito infinito da Natureza.

Munch acabou por pintar quatro versões de ‘O Grito’, para substituir as cópias que ia vendendo. A obra apresenta uma figura andrógena em profunda angústia e desespero existencial. A natureza se move, a ponte permanece sem se alterar.

O original de 1893 (91x73.5 cm), numa técnica de óleo e pastel sobre cartão, encontra-se exposto na Galeria Nacional de Oslo. Conhecido como ‘O Desespero’.

A segunda (83,5x66 cm), em têmpera sobre cartão, foi exibida no Munch Museum de Oslo até ao seu roubo em 2004.

A terceira pertence ao mesmo museu.

A quarta é propriedade de um particular.

Para responder ao interesse do público, Munch realizou também uma litografia que permitiu a impressão do quadro em revistas e jornais.

6. SÉRIE AMOR DE MUNCH

Munch descreve sua visão do amor nessa série.

Achava que o amor começava com os flertes, de uma maneira pura e inocente

“Eu estou dançando com meu amor verdadeiro – uma memória dela. Uma mulher loira sorridente entra e deseja tomar sua flor do amor – mas não irá deixar ser tomada. E do outro lado pode ser visto ela vestida de preto, perturbada pelo casal dançando – rejeitada – como eu fui rejeitado da dança dela”

Amor físico e carnal, amor maduro.

“O Beijo

Doces lábios ardentes contra os meus

Céu e Terra desapareceram e

dois olhos negros

olharam dentro dos meus”

Ciúmes

Foi o pintor de angústias existenciais e ameaças invisíveis como o ciúme.

Envolveu-se com uma mulher casada, possivel inspiração.

Rejeição

Como o Munch foi rejeitado pelo seu primeiro amor, Tulla Larsen é agora rejeitada pelo Munch. Os dois, pintados de preto e virados um ao outro, se encontram como parceiros no sofrimento.

Busca contínua

Munch escreveu:

“Através deles os ventos curvando a costa marítima, e além do mar, ainda em baixo das árvores, vida, com toda sua complexidade da dor e alegria, continua”.

O Grito

Último quadro dessa série.

A natureza em seu grito infinito.

Seria pelo amor?

7. SÉRIE DOENÇA EM MUNCH

Dez obras de Munch em que a doença permeia a temática da pintura.

A CRIANÇA DOENTE – 1886

- Usou a amiga Betzy Nielsen como modelo para Sophie

- Sophie dá um último olhar contemplativo para sua tia e mãe adotiva Karen Bjolstad

- Galeria Nacional de Oslo

PRIMAVERA – 1889

- Recorda a doença da irmã

- Munch possuía 26 e estava com medo da morte

- O travesseiro agora é iluminado pelo sol

MADONA – 1893

- Moldura decorada com espermatozóides e feto abortado

- Pintados e entalhados

- Simbolizam a concepção e a morte

- A moldura chocante e polêmica que foi retirada do quadro

- Até hoje não se sabe de seu paradeiro

O GRITO – 1893

- Indica o sofrimento mental

- Uma conseqüência de sua vida marcada pelas doenças

- Busca expressar sentimento humano em meio a uma realidade inalterada simbolizada na ponte que se mantém reta.

AUTO-RETRATO COM ESQUELETO DO BRAÇO – 1895

- Traumatizado pela polêmica surgida com o episódio da moldura que enquadrava a Madona, seu auto-retrato que usa a técnica litográfica.

- Os ossos da mão são dispostos de modo a lembrar a parte inferior da moldura censurada em 1893.

MORTE NO QUARTO DA DOENTE – 1895

- Chama atenção para o aspecto claustrofóbico do quarto onde se encontra um doente grave.

- As duas irmãs de Munch, Inger (de pé) e Laura são claramente reconhecidas em primeiro plano.

- O artista está de costas para a paciente de modo a renegar a tragédia que se faz presente.

A MÃE MORTA E A CRIANÇA – 1899

- Trinta e um anos depois do falecimento da mãe

- Os adultos são impotentes diante da cena

- Sophie tampa os ouvidos para não ouvir o grito silencioso da morte chamando-a

Dr. MAX LINDE

-Munch pintou os quatro filhos do oftamologista, que além de médico era colecionador de obras de arte.

- Em crise financeira o mesmo se desfez de várias obras de Munch adquiridas em museus alemães.

A ENFERMEIRA

- Internado por seis meses para tratar de esgotamento nervoso

- Pinta a enfermeira que o assistiu

- Semelhante a Van Gogh que pintou o enfermeiro Trabuc (1889)

AUTO-RETRATO DEPOIS DA GRIPE ESPANHOLA - 1919

- Pinta o momento em que estava convalescente

- É visível a sua semelhança com ‘O Grito’

- Uma época em que os médicos sem saberem o que receitar, receitam canja de galinha, fazendo com que fossem saqueados feiras, granjas e mercados atrás de frangos

Parou de pintar em 1936 devido a uma grave doença ocular. Perto de morrer, Munch sentencia: “A VIDA REPRESENTA UMA VITÓRIA TEMPORÁRIA SOBRE A FORÇA DA GRAVIDADE; MANTEMO-NOS ERGUIDOS DE PÉ, MAS UM DIA TEMOS DE NOS DEITAR PARA MORRER.”

8. PRINCIPAIS OBRAS DE MUNCH:

“A obra de arte é como um cristal: como o cristal, ela deve ter também uma alma e o poder de brilhar” (Munch, 1988).

- Spring Day on Karl Johan (1891)
- Evening on Karl Johan (1892)
- Melancolia (1892)
- A Voz (1892)
- O Grito (1893)
- Vampira (1893-94)
- Anxiety (1894)
- A Madona (1894-1895)
- Jealousy (1895)
- Puberdade (1895)
- Self-Portrait with Burning Cigarette (1895)
- A menina doente (1895-1896)
- Lady From the Sea (1896)
- A dança da vida (1899-1900)
- A Morte da Mãe (1899-1900)
- Meninas no Jetty (1901)
- Crianças na rua (1907)
- Atração (1908)
- Assassino na Alameda (1919)
- Reunião (1921)
- Entre o Relógio e a Cama (1940-1942)





















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