segunda-feira, 16 de março de 2009

Livre do Louvre

" Pintar é uma parte infinitamente
minuta da minha personalidade."
Salvador Dali

O livro bíblico do Eclesiastes, de autoria conferida supostamente a Salomão, tem profundas reflexões acerca da realidade do mundo, com comentários de profunda sabedoria que fazem com que por vezes seja classificado como livro pessimista.
Logo no seu segundo versículo a tradução da Bíblia Almeida evidencia: “Vaidade das vaidades! Diz o pregador, vaidade de vaidades! É tudo vaidade”.
Pobres seriam os teólogos se resolvessem porventura discordar das santas e inspiradas escrituras. Mas, por vezes a reflexão teológica permite ir até e além das palavras tocando profundamente seus sentidos.
Acreditando que não só a escritura é inspirada, mas que também existe a leitura inspirada, faz-se a avaliação quanto à tradução do vernáculo vaidade, permeado de controvérsias, pois, algumas escolas teológicas defendem que a palavra latina que mais se aproxima em sentido do original hebraico é fumaça.
Seria tudo fumaça? Ou... Seria tudo vaidade?
Ou seriam sinônimas?
Ao interpretar a Escritura, pode-se supor que o termo fumaça seria uma tradução mais incompreensível, e simultaneamente mais adequada.
As artes, por exemplo, tendem a fazer com que o público ao avaliá-las considere que o mundo da arte é permeado de vaidade. Mas é, não em absoluto, mas de certo modo.
Poderia, porém ser permeado de fumaça?
Ao tomar o exemplo da pintura, pode-se avaliar.
Pintura, substantivo feminino com tantos significados de acordo com o dicionário Aurélio: “ato ou efeito de pintar, profissão de pintor, revestimento de uma superfície com matéria corante, colorido, obra pictórica, maquilagem”.
Acompanha história da humanidade, desde pintura rupestre até os mais valiosos quadros que guardam a história e ideologias universais. É diferente do desenho apenas por utilizar pigmentos líquidos. Tem a cor como elemento essencial, faz parte da vida de representação simbólica do ser humano.
Consiste em uma atividade simples que exige paciência ou, segundo alguns, dons especiais. Uma motricidade abençoada. Dependendo da forma com que a tinta, o líquido é aplicado, o plano bidimensional transmite inúmeras idéias, distintas sensações, variedades de sentimentos. A superfície e a técnica de colocar a tinta podem variar, pode retratar o sentimento do pintor, uma época, um ser, um sonho, uma história ou a história.
Na metade do século XVIII, o termo “estética”, que trata da ciência das formas, foi criado a partir da raiz grega aisthésis, que significa sensação, sentimento. O termo designava o estudo das sensações e dos sentimentos produzidos pela obra de arte.
Como pintura é um tema vasto, tratar-se-á de pinturas de tela, que é algo empiricamente simples: consiste na aplicação de tinta sob a superfície de um tecido que possui base de madeira, e ao conjunto, denomina-se quadro.
A pintura em tela pode servir inclusive como terapia, podendo ser indicada para crianças que falam pouco e gostam de ficar sozinhas. Tal arte objetiva a contemplação por parte do olhar do apreciador.
Segundo o pensador Walter Benjamin da escola de Frankfurt, em seu ensaio “A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução” toda obra tem uma “aura” que consistem na autenticidade, autoridade, a característica de seu hic et nunc (aqui e agora), que é a presença da obra no lugar em que se encontra, a presença que confere historicidade, o ápice de sensibilidade da autenticidade que só pode ser atingido com o original. Quando a obra é reproduzida, a tal “aura” se diluiu e pode atingir dimensões sociais que são resultado da relação entre a transformação técnica da sociedade e a percepção estética.
Sendo assim, o ideal a ser atingido por todo pintor de renome consiste em ter uma obra de “aura” contagiante e estar guardado em um lugar especial, onde tais obras são acolhidas como patrimônio da humanidade. Um desses locais é o museu do Louvre, instalado em um palácio, localizado no centro de Paris, que possui numerosas obras-primas dos grandes artistas.
O sonho de todo pintor vaidoso seria estar nas paredes do Louvre. Mas o sonho de todo pintor que ama deveras a pintura, não perde em sua vaidade o objetivo que deu sentido ao nascimento da obra: a reflexão, a admiração, a contemplação.
O artista que liberta-se da aparência da vaidade passa a buscar a fumaça, busca a dissolução da sua obra no “ser”. A vaidade vira fumaça. O desejo de ser imortal torna-se ínfimo diante do desejo de dissolver suas idéias, sua bela visão no olhar do observador.
Para fazer arte e para apreciá-la, é fundamental um olhar de amor. Um querer fazer sentido para o outro, que nem sempre vai ser um outro universal e desconhecido. Pode-se supor inclusive que as grandes obras, com as mais sublimes "auras" foram obras dedicadas, feitas para alguém, encomendas, momentos guardados. Que decerto fazem sentido para todas as épocas, mas que no seu nascimento possuiam um sentido particular entre dois seres, entre o pintor e o observador.
Por mais que seja importante amar ao amor, o amor é sempre endereçado a alguém. É o amor que inspira o artista que fornece estrutura ao artista para aguentar as inúmeras críticas a sua obra, ao que doou de si mesmo em líquido e tempo; Que fez com que por dias o mesmo tivesse mais tinta em seu corpo do que aplicada na tela, buscando o deleite de um público específico e posteriormente universal. A valorização é centrada em um observado específico cuja opinião causa realização ou frustração no artista.

Nos versos de Fernando Pessoa:
“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”
Logo, aquilo que faz sentido para o mundo só pode ser precioso enquanto faz sentido para o ser, para um ser.
É só no breve momento de um sentido que a vaidade cede diante do amor e transforma-se em fumaça e dissolve-se na “aura” da escola de Frankfurt e atinge a sociedade transformando-a.
O sonho de todo pintor, não está nas paredes do Louvre, mas nas paredes que permitem uma contemplação de amor. No olhar do admirador.
É exatamente quando a arte, a estética liberta-se da aparência que adquire sua sublime dignidade: "o outro", transformando-se então em felicidade.


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