domingo, 24 de maio de 2009

Arquétipo do Nariz Vermelho

"O animal mais sofredor da Terra inventou o riso."
Friedrich Nietzsche

Já é tradição que o nariz do palhaço é vermelho. Mas para se reafirmar as tradições e entender mais acerca do mundo, tem que se primeiramente questionar o “Por que” de tal tradição. Parafraseando Fernando Pessoa: “Primeiro estranha e depois entranha”.
Quem usa um nariz vermelho e nunca se questionou sobre a existência, a história e o simbolismo do mesmo, tem feito um uso vazio, despido de ciência.
Seria simplista escrever que vermelho pode indicar poder, sendo a cor dos cardeais, ou ainda indicar uma luta, ou a cor que junto com o verde forma a decoração de natal. Pode-se defender que vermelho remete a sangue, e por analogia à vida; ao sangue de Cristo para os religiosos. Isso se dá porque a cor vermelha pode ser associada a inúmeros sentidos: é a cor da paixão para os apaixonados. A cor da alegria para uns e da pureza para outros.
Mediante a tal reflexão é preciso que se aprofunde não só na análise da cor, mas a aspectos profundos, pois o nariz vermelho do palhaço pode ser considerado um arquétipo.
Arquétipo, palavra de origem grega grafada: aρχή – arché, que significa principal ou princípio, remete ao primeiro modelo de alguma coisa. A palavra foi adotada pelo psiquiatra suiço Carl Gustav Jung indicando a forma imaterial à qual os fenômenos psiquicos tendem a se moldar, refere-se aos modelos inatos que são matriz para os fenômenos da psique. Ou seja, são tendências estruturais invisíveis dos símbolos, são representações, imagens que que correspondem a alguns aspectos da situação consciente do sujeito. Possui como sinônimo a expressão “imagens primordiais”. Segundo Jung se originam da constante repetição de uma mesma experiência no decorrer de inúmeras gerações.
O termo refere-se, portanto aos símbolos presentes no inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo é a consolidação da experiência ancestral da espécie, sendo formado pelo material psíquico. Uma analogia facilita a compreensão: o inconsciente coletivo é como o ar, que é o mesmo em essência em todo lugar, é respirado por todos e não pertence a ninguém. O conteúdo que forma o inconsciente coletivo são os arquétipos que funcionam como peças do quebra-cabeça que o inconsciente coletivo é.
A personificação da figura mítica seja ela o palhaço ou um herói é algo que acompanha a humanidade e tem um significado que vai além do plano real da existência e consolida o inconsciente coletivo e se insere no tempo e na história. A forma de pensamento universal possui não só a carga estética, mas também uma carga afetiva sobre a imagem, sobre o símbolo.
Assim tratar do nariz vermelho do palhaço implica em evocar todo o significado que o gerou. Associa-se assim a força da forma com a força da cor.
Quanto à forma, o nariz do palhaço, consiste em uma bola redonda, um círculo. O círculo remete ao ponto, muitos palhaços pintam só um ponto vermelho como nariz, e pode ser considerado como sinal supremo de perfeição, união e plenitude. O centro que encontra motivo na própria existência.
O nariz podia ser verde, rosa, laranja. Mas, só de imaginar o nariz de palhaço dessa cor tem-se estranheza, pois se estruturou no inconsciente coletivo que o nariz do palhaço é vermelho.
Na grande maioria das civilizações, em sua simbologia, o vermelho significa força
, virilidade, feminilidade, dinamismo. É uma cor exaltante e até enervante. Impõe-se sem discrição. É uma cor essencialmente quente, transbordante de vida e de agitação.
Na arte e na antropologia, o simbolismo da cor refere-se ao uso da cor como um símbolo em todas as culturas e religiões, enquanto a psicologia da cor remete à análise do efeito da cor no comportamento e sentimento humano, distinta da fototerapia (o uso da luz ultravioleta para curar a icterícia infantil). É importante não confundir psicologia da cor com simbolismo da cor. Mesmo apesar do fato de o simbolismo da cor possuir um caráter psíquico.
O vermelho, do latim
vermillus, é a cor do sangue, situado no limite do visível do espectro luminoso. Abaixo deste comprimento de ondas, o infravermelho, não é mais perceptível pela visão humana. Também é conhecida como escarlate ou encarnado. É cor-luz primária e cor-pigmento secundária, resultante da mistura de amarelo e magenta.
Evoca padrões de memória que se relacionam a cor do coração, ao fogo, ao sol, ao rubi, a lava quente dos vulcões, a revolução.
Analisando a cor vermelha no âmbito do nariz do palhaço por intermédio da setença: " O nariz do palhaço representa os olhos, e os olhos representam a alma." Pode-se concluir que o nariz do palhaço é vermelho para chamar atenção do público por ser uma cor quente.
Serve como indicador da direção na qual o mesmo vira o rosto: o palhaço nunca movimenta o olhar, sempre move a cabeça em direção ao que observa o que por si só já consegue extrair risos.
Assim sendo, os olhos do palhaço tem de ser expressivos, tem que transmitir sentimentos, pois não precisam servir para indicar o que o palhaço olha. Não são portas de saída, mas de entrada, e dá acesso a alma do artista. Estabelece a relação palhaço - público, palhaço – outro. Permite que o sentir seja expresso pela forma e direção do olhar.
Os narizes são vermelhos porque zombam das ditaduras do ontem e do hoje, porque indicam que apesar da dor e sofrimento a vida continua, continua no centro do rosto, continua quente como o sol, continua apontando a direção na qual olhamos para lançar nossas almas nesse misterioso oceano a que chamamos vida.

7 comentários:

  1. nossa, uma médica que se preocupa com o ser humano que é o paciente... que demais!!!!

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  2. Achei muito interessante. Gostei demais, entretanto faltou um pouco sobre a origem de como surgiu o nariz vermelho...
    eu havia lido em algum artigo explicando que um ator estava apresentando uma peça e ele estava bêbado e as suas ações eram engraçadas até que uma hora ele caiu e bateu o nariz no chão deixando-o mais vermelho e o espetáculo foi o máximo todo mundo da platéia havia gostado e com isso o mesmo ator começou a encenar peças comicas e sempre pintava a ponta do nariz de vermelho, não sei se é uma história verídica, mas está relacionado.

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  3. Nossa que colaboração significativa. Nunca ouvi tal história, se não for real é no mínimo lendária e simbólica. Agradeceria a referencia de tal comentário. Um abraço.

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  4. Mayra,
    muito bom o seu texto!
    Sobre a referência solicitada, no livro "Palhaços", de Mário Fernando Bolognesi, você encontra explicações sobre este tipo de Palhaço (Augusto)e possíveis justificativas para o nariz vermelho (não só uma, mas todas remetem à inabilidade do palhaço, a uma situação ridícula e risível).
    Também gostaria das referências do seu texto. É possível? Sou palhaça-mágica e me formo em Pedagogia este ano. Estudo e pratico, portanto. Se quiser fazer contato, me mande um email: paulatranquera@gmail.com Inté!

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  5. O sujeito dividido (palhaço),lembrando o cogito de Descartes.Ali onde sou,não penso, e onde penso,não sou.
    No seu texto,vc quis situar o objeto no lugar preciso do semblante(nariz do palhaço), ou seja, deu ao objeto(bola vermelha)o seu "verdadeiro" estatuto.
    Mas fica uma pergunta, será que os palhaços sabem isso?
    Gostei do seu texto.Adoro palhaços! Marisa

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  6. Alguns clowns não sabem... outros sim... sabem e ensinam isso!

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  7. Gostei bastante, muito interessante. Estou fazendo uma pesquisa aprofundada sobre palhaços, a origem, entre outras coisas. Gostaria muito de referências sobre esse texto.
    Débora Lourenço.

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